As políticas de desenvolvimento do Brasil entre os anos 1950 a 1980 foram amplamente influenciadas pelo Keynesianismo, especialmente temperado pela vertenteque ficou conhecida como “Escola Cepalina”. A manufatura baseada nas tecnologias eletromecânicas, expressão na época do grau de amadurecimento do capitalismo, estavam apenas engatinhando na América Latina. Já na Europa e Estados Unidos (principalmente) o potencial de crescimento e geração de lucros destas manufaturas iniciavam, por maturidade, a trajetória de declínio. Para grandes corporações a oportunidade de manter lucros em crescimento passava pela implantação de fábricas nos novos mercados. Assim, a proteção do mercado interno nos países alvos para os seus investimentos era tida como uma garantia para o sucessosde seus investimentos nestes países.
Para os países, naquelas décadas, ainda produtores de commodities agrícolas e minerais, o discurso justificador estava fundamentado no fato de que os produtos manufaturados tinham uma trajetória de alta dos preçosmais acelerada do que os produtos primários e que, portanto, a longo prazo as relações de troca se tornavam progressivamente desfavoráveis, logo a solução óbvia eraestimular um processo de industrialização. Mas, os industriais exigiam uma certa reserva do mercado emrelação ao resto do mundo para reduzir o risco do investimento.
Foi essa comunhão de interesses que manteve as tarifas altas e os controles das importações como forma de estimular a industrialização das nações tardias. Um cenário composto por interesses de grandes capitais industriais, e de políticos que acreditavam na importância da industrialização para reduzir o atraso entre nações ditas desenvolvidas e subdesenvolvidas, como era dito na época. Anos luz de distância da realidade deste momento da peripécia Trump. Antes um mundo dividido entre países industrializados e fornecedores de matérias primas agrícolas e minerais, hoje, todos industrializados e globalizados. Não é possível comparar, embora esteja presente um discurso de nacionalismo, aparentemente semelhante ao passado, mas nele, apenas retórica, nada planejado, nada como ideário como foi nas décadas da predominância cepalina. Nele apenas uma atitude maluca de um narcisista que quer, irresponsavelmente, aparecer no mundo todo.
Outras afirmações estranhas aproveitaram o momento para reaparecerem, como por exemplo, o período brasileiro de fronteiras econômicas mais fechadas serviram para atrasar o processo brasileiro de incorporar as novas tecnologias.Definitivamente uma interpretação distorcida da realidade: a reserva do mercado interno para empresas nacionais de setores estratégicos, é uma prática em todo planeta.Inclusive reza a nossa constituição – nem sempre obedecida – que o mercado interno é patrimônio nacional.
O que atrasou e ainda atrasa, embora com alguns avanços, é a falta de prioridade política para investimentos em educação e produção de conhecimento, bem como a prevalência de interesses das elites econômicas se manterem como rentistas; é esta presença forte dos interesses financeiros que sempre puxou para baixo o desenvolvimento baseado no conhecimento, segmentos com elevada agregação de valor, colocando de volta certo conjunto de nações na condição desenvolvidas, ao passo que o Brasil e seus pares da América Latina na condição de atrasados, de novo.
A abertura comercial do período Collor, talvez a escola, pelo inverso, de Trump, foi para criar competitividade e acelerar o desenvolvimento tecnológico, é uma outra narrativa distorcida, porém que serviu muito bem para abrir caminho para a globalização e destruição da jovem indústria nacional. A consciência sobre isso somente agora fica mais evidente com as propostas de reindustrialização ou neoindustrialização.
Guilherme Henrique Pereira é doutor em Ciências Econômicas e formulador e gestor de políticas de Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e inovação.
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