IA e sistemas de monitoramento ampliam pressão por produtividade; especialistas alertam para abuso e perda de direitos
A rápida expansão da inteligência artificial (IA) no ambiente corporativo vem modificando a forma como profissionais são contratados, avaliados e gerenciados. Embora amplie eficiência e produtividade, a automação também traz impactos que acendem um sinal de alerta: desvalorização profissional, aumento da sobrecarga e insegurança nas relações de trabalho.
Atividades repetitivas e facilmente automatizáveis estão entre as primeiras a desaparecer — fenômeno que já atinge tradutores, atendentes e trabalhadores em início de carreira. O cenário, segundo especialistas, representa o maior desafio trabalhista desde a digitalização.
“O avanço tecnológico pode mudar o exercício da profissão, mas não elimina direitos garantidos pela lei”, afirma o advogado Yghor Del Caro, sócio do Ferreira Borges. “Mesmo com automação, seguem obrigatórios o reconhecimento do vínculo, o pagamento justo e condições dignas de trabalho.”
Demissões e reestruturação digital
Nos Estados Unidos e na Europa, ondas de demissões associadas à adoção de sistemas de IA já motivam debates públicos e ações judiciais. No Brasil, o tema começa a ganhar força.
Del Caro lembra que a substituição do trabalho humano por ferramentas digitais não isenta empresas de suas obrigações. Além disso, a redução de equipes pode levar ao acúmulo indevido de funções pelos trabalhadores remanescentes.
“Quando a tecnologia vira justificativa para cortar equipes e transferir responsabilidades sem compensação, há violação à CLT. Isso pode resultar em indenizações”, destaca o advogado.
Quando o algorítmico vira assédio
O uso de softwares para controlar ritmo, metas e desempenho de funcionários está na origem do chamado assédio algorítmico — modalidade já reconhecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O termo descreve o monitoramento e a avaliação automáticos que impõem metas inalcançáveis, vigilância constante e pressão psicológica.
“A tecnologia não pode substituir empatia e bom senso”, ressalta Del Caro. “Algoritmos que definem produtividade sem considerar fatores humanos podem caracterizar assédio moral digital.”
Embora ainda não exista menção específica à prática na legislação brasileira, princípios constitucionais já garantem proteção à dignidade e ao equilíbrio no ambiente laboral. Empresas podem ser responsabilizadas caso ultrapassem limites de jornada, exponham trabalhadores ou adotem controle desproporcional.
Vieses e decisões automatizadas
Outro risco é a discriminação algorítmica. Sistemas de IA podem reproduzir vieses históricos relacionados a gênero, raça e idade ao participar de processos seletivos ou avaliações internas.
Para o especialista, supervisão humana é indispensável nessas decisões. “A empresa precisa garantir transparência nos critérios e prevenir prejuízos injustificados ao trabalhador.”
Sinais de alerta para o empregado
Profissionais devem ficar atentos, principalmente, quando observarem:
aumento de metas sem explicação;
controle excessivo de tempo de tela e pausas;
substituição de colegas sem redistribuição justa das tarefas;
decisões automatizadas sem justificativa clara.
Nessas situações, recomenda-se registrar ocorrências, reunir provas e buscar auxílio sindical ou jurídico. A Justiça do Trabalho já reconhece o dano moral ligado ao controle abusivo e ao adoecimento por sobrecarga.
Responsabilidade das empresas
Para Del Caro, o futuro do trabalho exige equilíbrio entre inovação e proteção.
“Empresas que adotam tecnologias disruptivas precisam definir políticas éticas, assegurar supervisão humana e investir em requalificação”, afirma. “O futuro do trabalho não é apenas digital — é humano e jurídico.”
