Durante a 35ª Reunião Nacional da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), realizada no Espírito Santo, representantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor publicaram uma Nota Oficial conjunta alertando sobre a proliferação de plataformas de apostas online que atuam de forma ilegal no Brasil. O documento destaca os impactos negativos dessas práticas para a população e reforça a necessidade de atuação coordenada entre os órgãos de proteção ao consumidor para garantir um ambiente digital mais seguro.
A nota ressalta a importância do cumprimento da legislação vigente, que regula o funcionamento das plataformas de apostas e protege o consumidor contra abusos. De acordo com o texto, muitas dessas plataformas ilegais operam à margem da lei, expondo os usuários a fraudes, lavagem de dinheiro e até ao não pagamento dos prêmios prometidos.
Além das irregularidades jurídicas, o documento chama atenção para os efeitos sociais e psicológicos das apostas, que têm levado milhares de brasileiros ao superendividamento, à dependência digital e ao adoecimento mental. Diante desse cenário, as entidades signatárias pedem a revisão da Portaria MF nº 1.231/2024, a fim de assegurar que apenas operadoras devidamente regulamentadas possam atuar no país.
O grupo também solicita ao Ministério da Fazenda o endurecimento da fiscalização e a aplicação de sanções às plataformas não autorizadas. Já à Procuradoria-Geral da República, é requisitada a investigação da legalidade da atual portaria e a adoção de medidas judiciais para encerrar as atividades das operadoras ilegais e responsabilizar seus administradores.
A diretora-geral do Procon-ES, Letícia Coelho Nogueira, destacou que a iniciativa representa o compromisso das instituições em promover ações coordenadas contra as apostas ilegais. “A fiscalização vai incluir a identificação e notificação de plataformas sem autorização, principalmente aquelas que não utilizam o domínio ‘.bet.br’. Também vamos solicitar a remoção desses sites, aplicar as penalidades cabíveis e intensificar as campanhas educativas e os canais de denúncia”, afirmou.
Ela também fez um alerta sobre a gravidade do problema: “Estamos lidando com uma situação alarmante, com consumidores vulneráveis tanto financeiramente quanto emocionalmente. A resposta dos órgãos competentes precisa ser rápida e firme para conter a expansão dessas plataformas e reduzir seus impactos nocivos”.
A Nota foi assinada por representantes da Associação Brasileira de Procons (ProconsBrasil), Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC), Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCON), Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), Instituto Brasileiro de Consumidores e Titulares de Dados (IBCTD), Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) e Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).
Apostas online: riscos crescentes para a saúde mental e financeira dos brasileiros
O crescimento das plataformas de apostas online no Brasil tem sido exponencial. Embora a Lei nº 14.790/2023 tenha regulamentado as apostas esportivas de cota fixa, muitas operadoras continuam atuando de forma clandestina, ignorando as exigências legais e colocando milhões de consumidores em risco.
Os números impressionam. Somente nos primeiros sete meses de 2024, cerca de 25 milhões de brasileiros passaram a apostar online — uma média de 3,5 milhões de novos apostadores por mês. O impacto desse crescimento é visível: aumento do endividamento, prejuízos financeiros, desgaste emocional e até a destruição de relações familiares.
Estudo realizado pelo Instituto Locomotiva em agosto de 2024 aponta que 86% dos apostadores estão endividados e 64% possuem o nome negativado. Além disso, 45% relataram perdas financeiras diretas, 37% usaram dinheiro destinado a despesas essenciais e 30% enfrentaram conflitos em suas relações pessoais.
Segundo a Agência Brasil, o número de brasileiros superendividados ultrapassa os 40 milhões, com 78% das famílias enfrentando algum tipo de dívida. Desde 2020, o endividamento relacionado a jogos online aumentou mais de 300%. O Banco Central revelou que, em apenas um mês, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família movimentaram cerca de R$ 3 bilhões em apostas — evidência clara de que as plataformas ilegais têm atingido especialmente a população mais vulnerável.
Dependência digital e danos ao desenvolvimento de crianças e adolescentes
As apostas online utilizam mecanismos psicológicos semelhantes aos dos cassinos físicos, baseados no reforço intermitente, que estimula a liberação de dopamina de forma imprevisível. Isso torna o jogo viciante, mantendo o usuário preso à expectativa do próximo acerto.
Os efeitos emocionais são graves: ansiedade, insônia, frustração, depressão. Segundo a Fast Company Brasil, 39% dos apostadores têm medo de não conseguir parar de jogar. A dependência se intensifica, inclusive, entre jovens. Dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024 apontam que 15% da população gasta, em média, R$ 263 mensais com apostas online.
Crianças e adolescentes estão sendo expostos cada vez mais cedo a esse tipo de conteúdo, muitas vezes disfarçado em jogos ou publicidades em redes sociais.
Os impactos são preocupantes:
• Dificuldade de concentração;
• Ansiedade e depressão;
• Necessidade constante de estímulos digitais;
• Danos cognitivos e sociais que afetam a vida escolar e as relações interpessoais.
Publicidade enganosa e violação do Código de Defesa do Consumidor
Outro ponto sensível é o uso de influenciadores digitais para promover ganhos irreais com apostas. Essa prática viola o Art. 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe qualquer forma de publicidade enganosa.
A diretora do Procon-ES reforça o alerta: “Estamos diante de uma ameaça concreta à saúde mental, emocional e financeira da população. Precisamos de ações urgentes, fiscalização eficaz e campanhas educativas para proteger especialmente os mais vulneráveis desse ciclo de ilusão e prejuízos”.
Foto: Procon ES