Do elevador ao salão de festas: como uma banda de rock nasceu num edifício em Jardim Camburi

Por Rachel Martins

Em Jardim Camburi, o edifício Villa Lobos, nome de um proeminente compositor, maestro e violonista brasileiro, considerado uma das figuras mais importantes da música erudita do século XX na América Latina, se destaca por uma curiosidade: foi ali que nasceu a banda Villa Rock e uma torcida organizada de flamenguistas, a Villa Fla. O objetivo é apenas um: confraternizar e se divertir.

Logo após a pandemia do Covid-19, um certo dia, o psicólogo e professor de violão, guitarra e voz, Alexandre Vieira Brito, 40 anos, entrou no elevador e apertou o térreo. Mas a porta se abriu, antes, e ele se deparou com o metalúrgico Edcarlos Luiz Glicério, 46 anos, que, na época, estava tendo aulas de violão.

Foi exatamente nesse momento que tudo começou. Os dois não se conheciam, mas como carregavam instrumentos, foi a deixa para uma conversa breve e promissora, com uma pequena parada estratégica no térreo. Depois de um breve bate-papo, Brito falou: “Vamos formar uma banda?”. Embora sempre aberto a aventuras, Glicério disse, meio ressabiado, que iria pensar.

O tempo para pensar foi curto, Brito nem precisou insistir, logo Glicério topou. Mas faltava um baixista, e foi assim que convidaram, digamos, um integrante de um condomínio próximo, o empresário Marcelo Merlo, 62 anos, que é baixista.

Foi assim que os três e suas histórias com o rock and roll se cruzaram. Desde criança Brito ouvia o pai cantar e tocar violão. “Sempre fui autodidata, comprava nas bancas aquelas revistas cifradas e me aventurava. Tive até uma banda de rock na adolescência, gravei dois CDs com músicas autorais. Eu gosto de pegar um estilo musical, por exemplo, sertanejo, e dar a ele uma pegada roqueira. Ainda faço as minhas próprias músicas”, conta.

O ensaio é aberto aos condôminos, é só entrar e ouvir rock.

O sonho de formar uma banda nunca morreu. “Esse encontro foi muito bom, porque gostamos de unir pessoas e construímos um caminho diferente para alcançar nosso propósito, no edifício onde moramos. Foi aqui que a gente criou a banda Villa Rock e ensaiamos no salão de festas, a cada 15 dias pelo menos, a partir das 19 horas, claro, com o consentimento dos condôminos, respeitando todas as regras da boa convivência. E quem quiser pode entrar, as portas estão sempre abertas”, ressalta.

Já o pai de Glicério era sanfoneiro. “Ele sempre tocava e eu ficava observando. Eu também fazia capoeira e amava os instrumentos de percussão. Na adolescência, nas festas, lá estava eu tocando pandeiro e atabaque. Mas sempre sonhei em aprender violão e comecei em 2018. Só que aqui na banda, o Brito já faz esse papel, e como a gente não tem bateria, eu entrei com a cajon”, explica.

Merlo também começou no violão, comprando revistas cifradas e aprendendo sozinho. “Um dia, meu filho, que também tinha uma banda, chegou em casa com o contrabaixo da namorada. E eu me interessei e troquei de instrumento. E como eu e Alexandre já éramos amigos, ele me convidou para formar essa banda, e aqui estamos. E uma curiosidade: lá nos primórdios do Vital eu que cuidava do som do evento e tinha um trio elétrico”, revela.

Brito destaca que a ideia é apenas se divertir e abrir um espaço para a convivência dos condôminos. Música traz isso, essa união, essa alegria. Os ensaios são abertos, é só chegar, ouvir, cantar, conversar, se conhecer. Não precisa bater na porta. Na festa de final de ano do Villa Lobos vamos estar aqui com muito rock”.

Ensaio de portas abertas

O empresário Lucas Gavassoni, 33, casado com a enfermeira Livia Dalla Bernardina, conta que sempre passava no hall de entrada do Villa Lobos e ouvia o som, mas nunca teve coragem de entrar, embora tivesse curiosidade. “Certa vez, a Livia passou por aqui e gravou de fora o som, e me mandou o áudio: ‘pega sua cerveja e vem pra cá ouvir música ao vivo’. Não foi desta vez, ainda. Mas nós temos o grupo no prédio ‘Vizinhos legais’ e essa semana tomamos coragem e viemos”.

E completa: “Estamos nos divertindo muito, com a música, com as histórias, com os petiscos, com a cerveja. Gostamos de rock. Legal a iniciativa de criar essa convivência no Villa Lobos. Nós agora vamos estar aqui com mais frequência”, garante.

Administração mais próxima

O advogado e síndico do prédio, Joilson de Oliveira Alves, também é frequentador dos ensaios, quando possível. “Também temos aqui o Villa Fla, criado em 2019, pelos moradores apaixonados pelo Flamengo e que passaram a se reunir com o objetivo de confraternizar sempre que possível”, ressalta.

Alves explica que embora seja uma torcida organizada do Flamengo, qualquer time é bem-vindo. “A ideia é confraternizar, estar junto, se conhecer, fazer uma resenha, participar do churrasco, não importa o time. E eu como gestor sempre convido todos os condôminos, para que possamos nos conhecer. E a banda também tem esse propósito”, explica.

Ele destaca, ainda, que ser síndico não é uma tarefa fácil. “Às vezes, você se vê diante de situações delicadas. Vejo que por ter um grupo que se reúne pra ver um jogo, estar junto, que convida as outras pessoas, isso é uma forma de se aproximar de cada um. Posso dizer, ainda, que isso me ajudou muitas vezes a resolver uma ou outra questão interna, por isso super apoio essa união, essa boa convivência”, explica.

Benefício emocional

A doutora em Ciências, especializada em Desenvolvimento Aduto, Angelita Corrêa, explica que uma boa convivência, uma relação amistosa entre pessoas que moram na mesma comunidade, no mesmo condomínio, na mesma vizinhança é fundamental do ponto de vista da psicologia social para um sentimento de segurança comunitária e de bem-estar.

“Quando essa relação de cooperação, de amizade, é estabelecida, surge um senso de pertencimento. E isso faz com que as pessoas se engajem mais na manutenção daquele espaço, em todos os seus aspectos, gerando uma espécie de suporte social, uma rede de apoio”, destaca.

Ela explica, ainda, que quando essas pessoas começam a se tornar mais próximas, deixam de ser apenas aquele homem, aquela mulher, aquela família que mora no apartamento de número tal. Elas adquirem um nome, uma história, uma personalidade, e passam a ser reconhecidas como iguais em suas lutas diárias da vida, nas felicidades, nas tristezas, nas alegrias. É um grande benefício emocional, ajudando a diminuir o sentimento de isolamento social e aumentando o sentimento de felicidade e satisfação com a vida.

“E quando essa conexão é feita a partir de uma iniciativa como essa, do edifício Villa Lobos, por meio do lazer, de uma atividade artística ou esportiva, de algo que é criativo, de entretenimento, é muito interessante e positivo porque é mais fácil, em um primeiro momento, as pessoas se conectarem por meio da diversão”, frisa Corrêa.

Convivência entre os condôminos é valor de mercado

Dados de um estudo realizado pela Real Time Big Data (para o programa Fala Brasil, do portal de notícias R7), em 2023, indicam que 20% da população brasileira residem em condomínios e 85% expressam sua satisfação em viver nesse ambiente.

A pesquisa também identificou obstáculos associados à vida condominial. Cerca de 21% dos entrevistados apontaram a convivência como um desafio significativo. Outros 17% manifestaram preocupações quanto à privacidade e 11% referiram questões relacionadas à interação entre moradores. Além disso, 15% tiveram experiências negativas com vizinhos, enquanto 41% presenciaram conflitos no ambiente condominial.

É importante destacar, ainda, segundo especialistas, que a convivência em condomínios e a reputação do edifício influenciam diretamente no valor de mercado de um apartamento, o que indica que uma administração eficiente e um bom relacionamento entre os moradores transmitem segurança, organização e qualidade de vida, fatores que valorizam o imóvel e o tornam mais atrativo para compradores.

sobre nós

Diretor de conteúdo – Eduardo Caliman

Jornalista formado pela Ufes (1995), com Master em Jornalismo para Editores pelo CEU/Universidade de Navarra – Espanha. Iniciou a carreira em A Tribuna e depois atuou por 21 anos em A Gazeta, como repórter, editor de Política, coordenador de Reportagens Especiais e editor-executivo. Foi também presidente do Diário Oficial, subsecretário de Comunicação do ES e, de 2018 a 2024, coordenador de comunicação institucional no sistema OAB-ES/CAAES.

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