“Tudo na vida tem um lado bom e um lado ruim exceto os LP`s do Pink Floyd que tem os dois lados bons”.
Conheci este aforismo genial com meu irmão Sergio Vellozo Lucas, médico, poeta e escritor. Pesquisando, descobri que foi popularizado nas redes sociais pelo compositor e músico gaúcho, líder dos Engenheiros do Hawaii, Humberto Gessinger. Como gosto muito do Pink Floyd, mas sou sambista militante, pensei até em fazer uma adaptação do ditado para os LPs de Paulinho da Viola ou Cartola — também excelentes dos dois lados —, mas aí seria plágio.
Depois da Assembleia Geral da ONU, dos discursos de Lula e Trump, da inesperada “simpatia química” entre os dois presidentes, do enterro da PEC da blindagem, do estado comatoso terminal da bandeira da anistia aos condenados bolsonaristas, e do sucesso das manifestações de rua contra a impunidade de políticos, pensei em Donald Trump — associado a Jair Messias Bolsonaro — como sendo o absoluto oposto dos maravilhosos discos de vinil da banda londrina de Roger Waters e companhia, com ambos os lados perfeitos. Definitivamente, eles não têm lado bom!
Perto deles, Lula pareceu ser um estadista. Mesmo com as referências a Cuba, Venezuela e ao Sul Global — que só serviram para demarcar sua posição ideológica de esquerda —, seu discurso foi correto, firme em defesa do Brasil e dos valores da paz, da democracia, do direito à soberania e do desenvolvimento econômico, social e ambiental dos povos. Elaborado pela competente diplomacia brasileira, o pronunciamento lido por Lula no teleprompter não citou Trump, nem o ofendeu em nenhum momento. Foi altivo, mostrou indignação contida e argumentou com clareza as divergências do Brasil com as agressões e sanções inaceitáveis do governo norte-americano. Muitos analistas opinam que o gesto de simpatia química de Trump e a sinalização para a abertura de um diálogo entre os dois só aconteceu porque ele só respeita quem não abaixa a cabeça.
Por outro lado, a atuação e os gestos desesperados dos bolsonaristas em defesa do indefensável antes, durante e depois do julgamento e condenação dos golpistas deram ruim. A atuação cinematográfica de Eduardo Bolsonaro, no papel de trapalhão-traíra, foi destaque no enredo equivocado que só serviu para ajudar o projeto eleitoral do governo, acelerar o processo de isolamento da extrema-direita e, por fim, torpedear as pretensões presidenciais do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Um strike de equívocos e derrotas. Não tem lado bom.
Por caminhos tortos, o processo político vai seguindo em frente, e a centralidade das políticas regionais vai ocupando o espaço deixado pela polarização extremista. Nos estados da federação, as alianças eleitorais vão sendo costuradas e as candidaturas majoritárias e nominatas nas disputas proporcionais são trabalhadas pelas lideranças partidárias. Muitos projetos de federações de partidos formulados a partir da matemática congressual serão inviabilizados pelas dificuldades e diferenças regionais.
Candidaturas a deputado estadual e federal identificadas com o bolsonarismo raiz ou com o petismo ideológico certamente ainda terão espaço no pleito de 2026, pela força existente das posições radicalizadas na sociedade. Nos pleitos majoritários, a pressão para a composição de frentes amplas, supraideológicas, tende a prevalecer sobre projetos puro-sangue de qualquer dos dois lados. Tudo isso deve mudar quando o quadro político nacional descortinar um cenário mais nítido, depois deste momento enevoado com baixíssima visibilidade. Em geral, ganha sempre o lado capaz de atrair mais aliados do que fazer adversários.
O projeto Lula 4 fortaleceu-se eleitoralmente, mas não a ponto de repetir a frente ampla de 2022, pelos desgastes acumulados, contradições internas e, por mais que os erros das forças Trump-Bolsonaro tenham ajudado. Seu adversário principal não será Jair Bolsonaro, nem ninguém do seu núcleo familiar ou aliado próximo, mas sim o representante de uma aliança política ainda em formação, a partir das lideranças regionais não absorvidas pelo projeto do governo.
Tampouco está dado que a oposição ao Lula 4 será capaz de unir-se no primeiro turno das eleições presidenciais. Parece evidente que o bolsonarismo não lidera esse campo político, que poderá ir para as urnas em 2026 dividido. Como não existe W.O., o jogo político continua embolado no campo da oposição, mas o funil do calendário eleitoral vai funcionar e a fulanização ocorrerá em algum momento.
*Luiz Paulo Vellozo Lucas é engenheiro de Produção e professor universitário. Mestrado em Desenvolvimento Sustentável. Ex-prefeito de Vitória-ES e ex-deputado federal pelo PSDB-ES. Membro da ABQ – Academia Brasileira da Qualidade.
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