A cena é cada vez mais comum nas orlas do Espírito Santo: ciclovias que antes eram espaços de lazer, convivência e esporte se transformaram, em pouco tempo, em vias de alta velocidade. O motivo tem nome e motor: as bicicletas elétricas.
O avanço desse tipo de veículo é natural. Sustentável, prático e silencioso, ele representa uma alternativa moderna à mobilidade urbana tradicional. Mas a transição aconteceu rápido demais — e o que nasceu como solução está se tornando um problema cada vez mais grave.
Em pontos movimentados da Grande Vitória, como a orla de Vila Velha, a Curva da Jurema e a Praia de Camburi, em Vitória, o cenário é o mesmo: pedestres, muitas vezes com pouca mobilidade, correndo risco ao atravessarem o espaço onde as bicicletas passam a 30, 40 ou até 50 km/h. Não há emplacamento, não há exigência de habilitação e, em grande parte dos casos, quem pilota é um adolescente apressado a caminho da escola ou um trabalhador tentando não se atrasar. O resultado é previsível e preocupante.
As ciclovias nasceram para outro propósito. Eram destinadas ao uso mais “tranquilo”, à bicicleta convencional, movida pelo esforço físico e limitada pela velocidade das pernas humanas. Hoje, viraram corredores de transporte urbano, usados como atalhos por quem se desloca com pressa no dia a dia. A cidade não acompanhou essa mudança, e a falta de regulação adequada expõe um conflito silencioso entre a mobilidade elétrica e a segurança dos pedestres.
Casos recentes de atropelamentos — como o de uma idosa em Vitória e de um idoso em Vila Velha, ambos amplamente comentados na imprensa e nas redes sociais — mostram que o problema já é real. Não se trata de demonizar a bike elétrica. Pelo contrário: cada bicicleta é, em tese, um carro a menos nas ruas e uma contribuição à redução da poluição. Mas é preciso reconhecer que, sem regras claras, o que é ecologicamente correto pode se tornar socialmente perigoso.
O tema, aos poucos, começa a entrar na agenda do poder público. Em maio deste ano, a Câmara de Vitória aprovou o Projeto de Lei nº 144/2025, conhecido como “Bike Legal”, de autoria do vereador Aylton Dadalto (Republicanos). A proposta estabelece diretrizes específicas para o uso de bicicletas elétricas em vias públicas, ciclovias e calçadas, com o objetivo de garantir mais segurança e organizar o trânsito. “Não queremos proibir nada — queremos organizar”, afirmou o autor do projeto, ao defender a medida. A capital capixaba, portanto, dá um passo importante na tentativa de adaptar suas regras a uma realidade que já está nas ruas.
No plano federal, a discussão também avança. No Senado, o capixaba Fabiano Contarato (PT-ES) tem sido uma das vozes mais ativas em defesa de uma legislação mais moderna e segura para o trânsito urbano, com atenção especial à mobilidade elétrica. Há projetos em tramitação que buscam definir parâmetros de potência, velocidade máxima e equipamentos obrigatórios para bicicletas elétricas, além de propostas que ampliam a responsabilidade dos municípios sobre fiscalização e campanhas educativas. Ainda que caminhem lentamente, essas iniciativas indicam que o Brasil começa a olhar para o tema com a seriedade necessária.
O desafio, portanto, não é proibir, mas conscientizar e disciplinar. Limites de velocidade precisam ser discutidos. Campanhas educativas, fiscalização e até adaptações no desenho urbano das ciclovias devem entrar no debate. É preciso agir antes que as orlas, símbolo de convivência e bem-estar, se transformem em territórios de risco.
A discussão é urgente — e inadiável. Porque a mobilidade do futuro precisa ser limpa, sim. Mas também precisa ser segura.
