Entrevista: economista-chefe da Findes aponta os desafios e oportunidades do ES

Aos 39 anos, economista Marília Gabriela Elias da Silva comanda uma das áreas mais estratégicas do sistema indústria capixaba. Formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, com mestrado pela UFRGS e doutorado e pós-doutorado pela FGV-SP, ela está à frente do Observatório da Indústria da Findes, unidade de inteligência que monitora dados econômicos, mapeia cadeias produtivas e orienta a tomada de decisão em políticas públicas e investimentos no Espírito Santo.

Marília Silva lidera hoje uma equipe focada em estudar os grandes movimentos que moldam o presente e o futuro do desenvolvimento regional.

Nesta entrevista ao News ES, ela faz uma leitura detalhada das potencialidades e dos desafios econômicos do Espírito Santo em meio à Reforma Tributária, à transição energética e à revolução tecnológica. Fala sobre os setores mais promissores, a importância da infraestrutura, o papel da indústria e do turismo na diversificação da economia, a escassez de mão de obra qualificada e o movimento das empresas rumo à sustentabilidade.

News ES — O Espírito Santo tem se destacado em diversos indicadores econômicos nos últimos anos. Na sua visão, quais são hoje os maiores desafios e as oportunidades para o estado?

MARÍLIA SILVA — O Espírito Santo é um estado que tem uma organização fiscal diferenciada e uma localização privilegiada. Embora seja pequeno, com uma população de 4 milhões de habitantes, está muito bem colocado: perto dos grandes centros consumidores e produtores.

É um estado que tem uma infraestrutura que, embora ainda exija bom desenvolvimento em algumas questões mais pontuais, se destaca. A gente está falando de nove portos — sejam eles já prontos ou em execução — então, de fato, temos aqui um arcabouço que transforma o estado em um centro de oportunidade. E, já fazendo o link, é um estado que vem, até pela saúde fiscal, conseguindo utilizar políticas fiscais para se tornar mais competitivo.

A gente tem o Compete, o Invest‑ES, a Sudene; temos bancos comerciais e bancos de desenvolvimento. Nesse conjunto, o estado hoje se coloca com um nível de competitividade interessante quando olhamos para o Brasil como um todo.

Mas, ao mesmo tempo — entrando nos desafios — se olharmos para a proximidade da Reforma Tributária, o que hoje é oportunidade pode se tornar desafio. Com a reforma, o estado deixaria de ter competitividade via incentivos e precisaria continuar sendo competitivo. Entendo que o desafio vai na linha de esforço coletivo em infraestrutura, especialmente logística, para que o estado continue atraindo empresas e sendo esse ator de desenvolvimento. Em geral, eu colocaria isso como desafios e oportunidades.

News ES — O setor industrial é responsável por uma parcela significativa do PIB estadual. Quais áreas da indústria são mais promissoras?

Marília Silva — Eu não diria “áreas promissoras”, mas sim a indústria voltando ao centro, ao protagonismo da economia. Quando o governo lança a política industrial, ele pergunta: “Que Brasil a gente quer?” Um Brasil compatível com uma economia mais verde, mais tecnológica, com soberania, com desenvolvimento do setor de água, com mobilidade nas cidades — cidades inteligentes. E o meio para isso é a indústria.

Então, a indústria precisa — e acredito que esteja caminhando para isso — voltar a ocupar o espaço de protagonismo no planejamento do desenvolvimento econômico.

Trazendo para o Espírito Santo: temos um volume muito alto de investimentos do setor produtivo, ligado a esses pontos de protagonismo. No Observatório, mapeamos todos os investimentos produtivos e estamos falando, até 2029/2030, de aproximadamente R$ 110 bilhões em investimentos.

Muito desse recurso, inevitavelmente, estará em petróleo e gás, um setor muito grande — como no Parque das Baleias (Petrobras). Mesmo sendo um setor fóssil, há projetos para reduzir emissões e ampliar eletrificação.

Temos isso e temos a Arcelor, com nova fábrica de laminados a frio; a Suzano. São vários movimentos no Espírito Santo, alinhados a grandes setores que ajudam o estado a se desenvolver — e suas cadeias também.

Quero destacar dois pontos relevantes: a alimentação, voltada ao café — o estado passou muito tempo produzindo café de forma mais bruta; hoje agregamos valor (por exemplo, café solúvel) — e o setor de móveis e madeira, com o destaque da produção de MDF aqui por meio da Placas do Brasil. Gosto desses exemplos porque, às vezes, ficamos presos aos setores com grande participação no PIB em valor, mas há setores que agregam muito valor, empregam bastante e são cruciais para o desenvolvimento do estado.

News ES — Como as recentes medidas de taxação sobre exportações podem afetar o desempenho econômico do Espírito Santo?

Marília Silva — Desde o anúncio, houve incerteza muito grande sobre o que aconteceria.

Nós pesquisamos nossos empresários, perguntando se cancelaram embarques ou postergaram; mais de 80% disseram que sim. Naquele intervalo entre “vou taxar” e “taxei”, a incerteza aumentou muito.

Quando saiu a taxação de 50%, veio junto uma lista de exceções. Parte da incerteza diminuiu. Continuamos com café e pequena parte do granito taxados a 50%. Aço: nada mudou. O estado teve de lidar com isso, mas numa proporção menor do que se imaginava.

Mais recentemente, novos produtos foram incluídos na lista de isenções. Hoje, o impacto imaginado e o que começamos a ver são bem diferentes. Nos dados, há até recuo (por exemplo, agosto contra agosto do ano anterior), mas não dá para cravar se é por causa da tarifa ou movimento normal do comércio exterior.

A lição que eu gosto de destacar: independentemente da tarifa — com boa parte isenta agora — isso põe na mesa a necessidade de buscar novos mercados, diversificar destinos e diversificar a produção. Para diversificar o mercado externo, precisamos de produtos mais complexos, com maior valor agregado. É também uma oportunidade para o Espírito Santo.

News ES — O Espírito Santo ainda depende de commodities. Como avançar em diversificação econômica e inovação?

Marília Silva — Falamos disso antes. Chegamos até aqui graças às grandes plantas e à produção de commodities industriais — papel, metalurgia, petróleo. É muito importante.

Mas precisamos, e hoje está claro, diversificar. O bom de termos começado assim é que, lá pelos anos 1990, já iniciamos a diversificação e a complexificação da produção, porque esses setores demandam fornecedores e serviços; a indústria que os atende precisa ser complexa e variada.

Vimos um processo de adensamento de cadeias por meio de fornecedores. Mais recentemente, o estado comprou a ideia de que o próximo passo é uma economia diversa e complexa, com produtos de maior valor agregado, de alto valor, sem depender de volumes gigantes.

Exemplos: o café — um clássico. Começamos com o grão, e agora agregamos valor com solúvel, cápsulas etc. O setor se qualifica; nas montanhas, há cafés de excelente qualidade, premiados, algo raro antigamente.

É uma conjunção de fatores: mais renda no ES/Brasil, mudança de comportamento do consumidor, e o estado soube olhar para suas forças e se adequar. Se o consumidor pede mais qualidade e paga por isso, produzimos em menor escala, cobrando um preço que revele o valor entregue.

Também vejo turismo como vetor de receita — inclusive como oportunidade na Reforma Tributária, dado que o imposto incidirá no local do consumo. É importante consumir no estado. O ES tem 4 milhões de habitantes, é muito belo (falo como alguém de fora), encanta e tem muitos ativos turísticos que devem ser usados a favor do estado.

No Observatório, fizemos, cerca de um a dois anos atrás, uma rota estratégica com planejamento para o turismo, em parceria com o governo e o Sebrae. Fica claro que existem ativos potenciais. Como digo sobre infraestrutura, também aqui é uma escolha de setor produtivo, setor público e sociedade para transformar isso em valor para o estado.

News ES — Nos últimos anos, vimos municípios capixabas com investimentos recordes. Qual o papel do setor produtivo e como a Findes tem atuado para potencializar?

Marília Silva — No nosso mapeamento entram algumas obras públicas, mas, se excluirmos e olharmos só setor privado e economia mista, falamos de aproximadamente 90% dos investimentos vindos do setor produtivo.

Quando olhamos os R$ 110 bilhões para os próximos cinco anos, vemos recursos muito distribuídos: 78 municípios contam com investimento.

O papel da federação é articular: com municípios, indústrias, empresas e sociedade. Conhecemos as dores do setor produtivo e temos grande capacidade de dialogar com o governo do estado, às vezes com o governo federal, e com prefeituras.

Essa capacidade de juntar os lados entrega, ao terceiro vértice — a sociedade — contribuições em investimentos. E investimento retorna como emprego e base tributária mais robusta, permitindo que os municípios entreguem mais serviços, inclusive em logística.

News ES — Em logística, o que ainda precisa ser feito? Quais projetos são fundamentais para tornar o ES ainda mais competitivo?

Marília Silva — O ES quer se colocar — e tem potencial — como hub logístico. Temos muitos portos, rodovias e ferrovias. Muitos projetos já estão em andamento ou em conversas para destravar e avançar.

Destaco os portos — algo que já está acontecendo. Duas grandes iniciativas: o porto da Imetame, ao norte, e o Porto Central. Quando concluídos, levarão o ES a outro patamar.

Falando de portos, preciso falar de ferrovias. Em ferrovia, a situação do ES é mais complexa, pois depende especialmente do governo federal. Temos a questão da FCA e da renovação da concessão, para que cargas do Centro‑Oeste cheguem aos nossos portos; e toda a discussão da EF‑118, ligando o ES ao Rio de Janeiro. É um campo em que precisamos articular para que os investimentos saiam.

Talvez o que a sociedade mais sinta seja a duplicação da BR‑101. É essencial para o parque produtivo e para o bem‑estar/mobilidade. Viajo muito SP‑RJ e é impressionante como o ES está atrasado nisso. O RJ tinha pouco trecho duplicado e hoje tem muito; só um pedaço em Macaé não está duplicado. E no ES, no sul, ainda temos trecho que não anda.

News ES — Quais profissões ou setores terão mais demanda no setor industrial nos próximos 10 anos?

Marília Silva — Isso passa pela mudança da estrutura econômica global. Cresce a demanda por quem trabalha com dados e inteligência artificial, e com design centrado no usuário — não só o design do folheto/site, mas o que torna a experiência intuitiva.

No industrial, as profissões clássicas não acabam. Falaremos de máquinas e equipamentos; de construção — o mundo evolui com construção. A tecnologia ajuda, mas ainda precisamos de muita gente nessa frente.

E desde o começo falamos de logística: hoje é rápido e fácil comprar algo pequeno e receber em casa. Para isso, é preciso logística muito bem pensada. Esses setores puxam novos tipos de trabalho.

Temos também a economia verde: energia, eletrificação. Se antes o mecânico trabalhava com motor a combustão, hoje precisa também saber motor elétrico.

De tudo, destaco menos as “profissões” e mais as habilidades: será difícil formar volumes de pessoas sempre no modelo convencional. A grande aposta é a capacidade de aprender e reaprender continuamente.

News ES — São R$ 110 bilhões de investimentos previstos para o ES nos próximos cinco anos. Como a população pode aproveitar? Como se capacitar desde já?

Marília Silva — É ótimo termos desemprego baixo — algo como 3,1% —, mas convivemos com escassez de mão de obra.

Não há muitas pessoas para entrar e treinar do zero. Quem já está no mercado verá a tecnologia chegar e precisará se readequar — tanto do lado do empresário quanto de quem oferta trabalho.

Por isso, reforço a importância de aprender a aprender e reaprender. O SENAI (e o Sistema S) atua na formação inicial e na requalificação ao longo da vida. Raramente alguém ficará 40 anos na mesma atividade; será preciso readequar a qualificação. Essa qualificação/requalificação é crucial para mitigar a dor que ouvimos todos os dias dos empresários sobre escassez de mão de obra — algo que aparece nos números e na ponta.

News ES — Você citou economia verde. Como a indústria capixaba tem se preparado para sustentabilidade e transição energética?

Marília Silva — Uma grande qualidade do ES é ser um estado muito articulado. Temos um plano de descarbonização no qual se vê claramente o setor industrial, a atuação da federação e compromissos empresariais.

Vemos empreendimentos que, mesmo em setores que não são “verdes” por natureza, buscam menor emissão. Exemplo: a plataforma Maria Quitéria, pensada para reduzir carbono. Há planos de captura de carbono (Petrobras) e, sobretudo, a possibilidade de usar o gás natural como combustível de transição — é fóssil, mas emite menos que outros, como o carvão. É preciso viabilidade de preço, mas o ES tem arcabouço para avançar.

Gosto de citar o fundo de descarbonização do banco estadual, voltado a projetos verdes — destinar recursos gerados por atividades fósseis para financiar descarbonização. Atuamos com o Bandes no início do projeto e, quando perguntamos às empresas se pretendem ganhar eficiência e descarbonizar, mais de 70% dizem que já têm ou planejam iniciativas. Existe, sim, um movimento no estado — do setor produtivo e de outros entes — para chegar a um futuro mais verde.

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Diretor de conteúdo – Eduardo Caliman

Jornalista formado pela Ufes (1995), com Master em Jornalismo para Editores pelo CEU/Universidade de Navarra – Espanha. Iniciou a carreira em A Tribuna e depois atuou por 21 anos em A Gazeta, como repórter, editor de Política, coordenador de Reportagens Especiais e editor-executivo. Foi também presidente do Diário Oficial, subsecretário de Comunicação do ES e, de 2018 a 2024, coordenador de comunicação institucional no sistema OAB-ES/CAAES.

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