Relembrar as contribuições do Instituto Jones, como é carinhosamente referido por toda uma geração de pensadores capixabas, para além de ser um exercício prazeroso, é também uma reflexão necessária — e a celebração dos seus 50 anos, uma oportunidade imperdível. Necessária para o conhecimento da história do planejamento no Espírito Santo. Os diferentes cenários — na economia e na política — ao longo destes 50 anos ofereceram as condicionantes para que o IJSN oscilasse entre um protagonismo ativo e períodos de mera sobrevivência. É também uma reflexão necessária para identificar o que o cenário do Brasil no século XXI — e o do Espírito Santo em particular — cobra de uma organização situada no campo da produção do conhecimento.
Entre os historiadores do planejamento no Brasil, há praticamente consenso em situar a década de 1930 como o marco inicial dessa atividade. Do Estado Novo ao final da ditadura — início dos anos 1980 — o chamado planejamento tradicional era uma atividade estruturante das políticas de desenvolvimento e foi decisivo na aceleração do processo de industrialização. O planejamento, pela sua associação com as práticas das economias então ditas socialistas ou de planejamento central, acabou sendo colocado pelos liberais na lista dos grandes entraves que deveriam ser abandonados. E foi isso que aconteceu por aqui nas últimas duas décadas do século passado.
No Espírito Santo, o primeiro grupo organizado para realizar estudos sobre a economia e a sociedade capixaba foi instalado na antiga CODES (Companhia de Desenvolvimento do Espírito Santo, depois Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo – BANDES). Todo o planejamento da política de industrialização implantada naquele período teve as digitais desse grupo. No entanto, em poucos anos verificou-se que o arranjo era limitado, por se tratar de um banco. Por outro lado, o avanço da industrialização e o anúncio das obras de grandes projetos no entorno da capital criaram um cenário novo, com demandas mais amplas para o planejamento das prioridades da política local.
É nesse contexto que surge a Fundação Jones dos Santos Neves (FJSN). Dentre as diversas linhas de pesquisa abertas nesses primeiros anos de existência, a que mais se destacou foi a de planejamento urbano. A FJSN formou um time altamente produtivo, responsável por pensar intervenções decisivas em várias cidades, principalmente na Grande Vitória. O Estado mais que dobrou sua economia e suas cidades cresceram sem que gargalos significativos atrapalhassem o ritmo da industrialização. Não apenas os projetos e estudos realizados nesse período foram relevantes, mas também a contribuição na formação de recursos humanos: dezenas de técnicos formados na fundação passaram a atuar na administração estadual e em prefeituras, onde muitos permanecem até hoje.
Se a prática do planejamento no Brasil imperou nas décadas de 1970 e 1980, podemos dizer que a FJSN foi criada tardiamente e sufocada precocemente. Sua rica trajetória inicial foi sendo limitada sob a alegação de que o governo não dispunha de recursos financeiros para manter uma instituição de pesquisa. Mas a real e mais importante causa foi o ideário liberal, que desacreditou o planejamento. Nas décadas de 1980 e 1990, foram muitos os ataques à organização, transformada em autarquia — sob a denominação de Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) —, numa tentativa de limitar sua autonomia. Houve evasão de técnicos, salários defasados, instalações precárias e tentativas de extinção. Ainda assim, o corpo técnico remanescente manteve a resistência.
A virada do século coincidiu com a retomada do prestígio do planejamento em várias partes do mundo, inclusive no Brasil e no Espírito Santo. Apesar de o período administrativo entre 1999 e 2002 ter sido marcado por perturbações políticas e institucionais, o IJSN foi apoiado e voltou a ocupar papel de destaque. Mesmo com recursos limitados, construiu uma nova sede moderna, iniciou novas linhas de pesquisa — entre elas os estudos sobre violência e segurança pública, além do cálculo de indicadores econômicos, como o PIB estadual, os indicadores de comércio exterior e de investimentos, que se tornaram marcas do instituto.
Ao longo de sua trajetória, o IJSN também assumiu funções além da sua vocação original de pesquisa, atendendo demandas externas com eficiência. Foi, por algum tempo, operador do FUNCITEC, fundo de ciência e tecnologia; a pedido do BNDES, administrou o Fundo do Vale do Rio Doce, com ações em 45 municípios; e, por solicitação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, estruturou no Espírito Santo o programa de financiamento fundiário em execução à época.
O IJSN mais se destacou quando enfrentou o desafio de planejar os investimentos públicos que prepararam o Estado para a industrialização e urbanização aceleradas. Formou profissionais, desenvolveu metodologias e entregou resultados além do esperado. Essa credibilidade lhe trouxe responsabilidades e também o salvou das tentativas de extinção.
E agora, ao fechar o primeiro quarto do século XXI, quais são os desafios que o IJSN pode escolher para o futuro?
Antes de especular sobre esses desafios, é preciso reconhecer algumas pré-condições. Recursos financeiros não são hoje um problema para o governo estadual. Contudo, a cultura de parte da dirigência local ainda é provinciana — acredita-se que o que vem de fora é sempre melhor. Ainda não se reconheceu plenamente o potencial técnico instalado no Estado, sobretudo neste século. Grandes volumes de recursos são destinados a consultorias externas, quando poderiam fortalecer instituições capixabas com benefícios mais amplos e duradouros.
Outra condição essencial é compreender que o desenvolvimento sustentável depende da produção e da absorção do conhecimento — local e global. É preciso valorizar a base capixaba de geração de conhecimento e formar elites dirigentes locais, em constante interação com o mundo. E, por fim, compreender os limites de um modelo econômico centrado na velha manufatura. Embora a economia capixaba ainda dependa fortemente das commodities, o desenvolvimento global é movido por atividades intensivas em conhecimento e alto valor agregado.
Superadas essas condições, o IJSN poderá continuar sua saga, agora voltada a contribuir para o planejamento da nova economia capixaba. Para isso, precisará ampliar seu escopo, incorporando pesquisa científica e tecnológica e investindo na formação de recursos humanos em alto nível, capazes de desenvolver, absorver e transferir novos conhecimentos.
Ao escolher áreas estratégicas para impulsionar essa nova economia, o IJSN poderá chegar ao seu centenário como uma instituição de referência internacional em ciência, tecnologia e inovação — um verdadeiro centro de pesquisa, ensino e extensão voltado à transformação do Espírito Santo em um Estado líder em conhecimento e desenvolvimento sustentável.
“Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto é realidade.”
— Raul Seixas
Este é o momento de sonharmos juntos sobre o futuro do IJSN.
*Guilherme Henrique Pereira é Doutor em Ciências Econômicas, ex-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves, autor do livro Economia, Governos e Suas Políticas.
