Há muito tempo, talvez na adolescência, ouvi uma parábola bastante singela, porém ilustrativa, sobre a importância da contribuição individual de cada um de nós na construção de uma sociedade melhor. De um mundo melhor e mais digno, acrescento, na perspectiva de que, independentemente das diferenças múltiplas que existem entre todos nós, fazemos parte de um coletivo, de um ambiente que não dispensa a concórdia, a convivência respeitosa e, principalmente, o diálogo intelectualmente honesto e equilibrado.
Essa pequena história tinha como “pano de fundo” um grande incêndio que consumia a floresta de todos. Convocados pelo “rei dos animais”, o leão, os bichos se empenhavam no combate ao fogo que, sabiam eles — incluindo os que achavam belas as chamas — acabaria por destruir aquele lugar, palco da vida comum. Cada qual fazia o que lhe era possível, conforme as suas condições e características.
O tatu cavava furiosamente buracos, que depois eram unidos pelos chifres e patas do búfalo, formando uma vala para contenção do fogo, impedindo-o de se alastrar para outras áreas ainda não atingidas. Cavalos, burros e outros animais fortes se empenhavam em tirar dali grandes feixes de galhos mortos, “amarrados” por cobras que se uniam umas às outras, evitando que alimentassem novos focos. Felinos corriam para todos os lados, dando notícias da situação do incêndio em todas as suas frentes. Águias voavam alto, monitorando, do céu, a direção dos ventos, permitindo a antecipação de providências.
Enfim, cada um dos animais, todos eles juntos, contribuíam para o propósito comum de debelar a ameaça, somando suas características semelhantes e complementando, ou melhorando, aquelas carentes nos seus iguais de destino.
Em determinado momento, um dos elefantes, animais imensos que usavam suas trombas para sugar água e derramá-la sobre as chamas, percebeu um minúsculo beija-flor indo e vindo, da margem do riacho até uma pequena fogueirinha, tomando, no pequeno bico, poucas gotas, para depois jogá-las no braseiro. Aproximando-se do pássaro, o elefante perguntou-lhe em tom de ironia:
“…Escuta aqui, passarinho, tu achas mesmo que vai apagar esse fogaréu medonho pingando água com seu biquinho?”
Ouvindo dele a resposta:
“Sozinho, claro que não, mas estou fazendo tudo o que posso, dentro das minhas limitações, para contribuir com o grupo!”
Uma brevíssima e valiosíssima lição de “responsabilidade individual” que tive. Lembro dela, bem nítida, até hoje!
E, como costumo fazer, associo essas imagens e exemplos — mesmo decorridos de experiências ruins — quando me ponho a buscar soluções para problemas, pessoais ou sociais, que surgem, incluindo na liturgia a intenção de melhorar-me, um pouquinho que seja, a cada dia. Alguém que não lembro disse que no ocaso de nossos dias não carregamos conosco nada além da vida que levamos. Portanto, tudo aqui nessa floresta é efêmero, injustificando extremismos, apegos e vaidades.
Apesar de ser uma das poucas verdades absolutas, podemos buscar deixar um legado existencial melhor para os que permanecem. É difícil, trabalhoso, muitas vezes decepcionante, visto que além das diferenças que todos temos com os outros, em vários aspectos e assuntos, somos também como aqueles músicos que jamais se viram antes, convidados para integrar uma orquestra sinfônica que vai se apresentar instantes depois. O desafio é encantador, mas também amedrontador! Ousar enfrentá-lo é o que diferencia aqueles que vivem suas vidas dos que apenas cumprem seus tempos olhando-a passar!
Harmonia e sintonia são, grosso modo, “qualidades” ou “metas” que impõem, para alcançá-las, esforço e dedicação imensos, mormente quando distintas, em uma universalidade tão rica.
Nesse passo, ouso fazer uma interpretação axiológica de duas outras parábolas — essas bíblicas — as “Dos Talentos” e “Do Sermão da Montanha”. A primeira nos permite compreender que recebemos, cada um de nós, riquezas distintas, algumas incomparáveis entre si, e nos cabe dar às mesmas um encaminhamento útil, nem que seja para justificar essas Dádivas. A outra, olhada sob um singular prisma matemático, revela que quem não sabe dividir, jamais aprenderá a multiplicar.
Então a “pegada” é agregar. A cada instante em que nos surge a possibilidade de darmos de nós alguma coisa boa, fazermos isso com aquilo que apreendemos, soubemos, vivenciamos, na exata medida de “como somos”, àqueles outros, na moldura de “como são”.
Isso imprescinde compromisso e respeito para com as dissonâncias, realidades e capacidades alheias, tal e qual sensibilidade para aceitar respostas e resultados diversos daqueles que imaginamos ter a curto prazo, uma vez que cada um de nós vive seu próprio e exclusivo momento. E “encaixes” perfeitos não podem ser forçados ao risco de “espanarmos a rosca” (expressão comum aos mecânicos), inutilizando o processo.
Assim, assumindo minha limitação e confessando a ignorância imensa que me alcança mesmo em relação às poucas informações que detenho, firmei-me a missão de honrar os espaços de voz e escrita a mim confiados — em programas de rádio ou provedores de conteúdo — para oferecer à reflexão dos “sei lá quantos” ouvintes ou leitores elementos interessantes à construção de suas opiniões e visões.
Acrescento minha nenhuma expectativa de que sejam havidos como incontestáveis, a singela aceitação do seu descarte imediato e, mais que tudo, sua crítica, ainda que acerba, que estimulará o debate quando construtiva, e o silêncio quando agressiva ou despropositada.
Promessa de que tentarei fazê-lo com o menor “juridiquês” possível e, ainda, evitando consignar “achismos” e paixões que nos contaminam a todos, já que por mais racionais que busquemos ser, nossa constituição é de carne, ossos e sangue, e quase sempre deslembramos o que José Saramago dizia:
“A maior estupidez do discurso é usá-lo para convencer alguém que não quer ser convencido.”
Serão minhas “gotinhas de colibri”, inúteis de per se, mas, creio, valiosas, se somadas às outras milhões vertidas no mesmo objetivo.
*Gustavo Varella é advogado, jornalista, professor e mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV
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