Dando sequência à proposta de trazer ao ambiente dos diálogos fatos históricos e elementos importantes às nossas reflexões, pessoais e coletivas, dedico este texto ao “extremismo”.
Em qualquer circunstância, “extremar” significa atingir o máximo, agir ou praticar em larga escala algo que foge ao ordinário, ao cotidiano. Às vezes, vale registrar, atitudes extremas representam a diferença entre a vida e a morte — como defender-se de um agressor armado ou arrombar uma porta para salvar alguém de um incêndio. Dificilmente, nessas circunstâncias, iríamos convidar o agressor para trocarmos ideias sobre a vida ou chamar um chaveiro!
Entretanto, nossas rotinas impõem parcimônia no agir e no falar, de modo que prevaleça uma sensação de paz que nos permita planejar e executar o que nos cabe em qualquer ambiente em que vivamos. Essa talvez seja a grande diferença entre pessoas normais e os extremistas: estes últimos, visceralmente consumidos por vaidades e terrores que lhes torturam a existência, não aceitam outra situação senão aquela em que prevaleçam suas ideias, valores e visões de mundo — sejam elas quais forem.
As vaidades decorrem da crença de que, num misto de unção e iluminação, foram eles, os extremistas, escolhidos por uma entidade maior ou favorecidos pela sorte de terem nascido, frequentado certos locais ou recebido determinados dons e informações extraordinárias que lhes impõem a missão de resgatar os demais da obscuridade, do mal ou do erro.
Já os terrores amplificam e materializam, na mente dos extremistas, os medos comuns a todos os viventes, exigindo velocidade, dedicação radical e energia superafetada. Se, para os não afetados por essa doença social, hipóteses são apenas variáveis consideradas em seus raciocínios, para os extremistas elas já encarnaram o que temem, exigindo sua pronta resposta.
A intolerância é outra característica muito presente na rotina dessas pessoas. Conviver com o contrário, com a diferença — mesmo com a desagradável percepção de circunstancial isolamento retórico, religioso, político ou afim — são situações naturais que se nos apresentam de tempos em tempos. Porém, para o extremista, esse convívio funciona como uma espécie de blindagem contra a “contaminação” que atingiu os seus divergentes.
Não há, nesse campo, como dialogar ou debater com quem se julga absolutamente certo relativamente a alguma ideia ou conceito profundamente arraigado, já que ele encara o debate como uma real ameaça às suas convicções. Além disso, sobram aos extremistas dois horrores, ambos frutos da superficialidade que lhes atinge em quase tudo (ou tudo!) que não diga respeito ao seu objeto de culto: o temor de ver-se despido de argumentos e a perspectiva de fraquejar em seu apostolado.
Outra característica muito comum aos extremistas é a tendência a se reunirem em guetos, isolando-se em grupos de iguais na sua doença. Como todas as pessoas possuem filtros que, mais ou menos poderosos, as livram ou revelam os limites da toxicidade no convívio social, os extremistas preferem a companhia daqueles que comungam dos mesmos princípios e comportamentos, livrando-se do incômodo de perder tempo ou energia explicando ou tentando convencer alguém “não iluminado”.
Nessa dinâmica, é comum identificarmos grupos radicais e uni-propositais: vestem-se com os mesmos adereços, usam os mesmos argumentos, compartilham amores e ódios análogos, protegem-se mutuamente e erguem muros cada vez mais altos em torno de seus espaços de ação e doutrinamento.
Também são similares no uso da violência — seja a física, isoladamente (para os que se bastam sozinhos), ou coletivamente (para os fracos, dependentes da coerção grupal); seja a retórica, quase sempre recheada de frases feitas, conceitos fechados e preceitos teóricos que não dominam, mas repetem como dogmas intocáveis de sua crença.
Combater o extremismo (ou saber como evitá-lo) é medida que se impõe a qualquer sociedade civilizada, mas que requer algumas atitudes indispensáveis. A primeira delas é fugir ao lugar-comum de achar que todo extremista é, essencialmente, uma pessoa má. Em sua grande maioria, eles são pessoas absolutamente normais — pais, filhos, irmãos, esposas — arregimentados por estelionatários políticos ou religiosos que os veem como instrumentos perfeitos para a propagação de suas doutrinas, insanidades ou delinquências.
São indivíduos capturados pelo medo, pela desilusão ou por outras chagas morais e sociais que os oprimem. Muitos chegam a se explodir, matando ou mutilando quantos puderem, acreditando serem vetores do bem, vocacionados a salvar seus pares, seu povo, sua nação ou até a humanidade inteira de algum inimigo imaginário — ou hiperbolicamente apresentado.
Em segundo lugar, é importante desfazer a imagem estereotipada dos extremistas sempre vestidos à caráter, portando armas, faixas ou crachás. Na realidade, eles muitas vezes se apresentam nas figuras de familiares, amigos ou colegas, por nós tolerados sob o argumento de que são apenas pessoas difíceis, e que o melhor é conviver com elas impondo certos limites.
A questão é que esses limites não são conhecidos por quem se enxerga imbuído da missão de resgatar seus parentes e conviventes de uma desgraça que acreditam estar prestes a acontecer. E, enquanto sublimamos suas atitudes tóxicas, eles as reforçam, insistem nelas e se aproveitam do que consideram terreno conquistado, graças à nossa inação ou condescendência pacificadora.
Parafraseando o ditado popular: “pior do que um insano, é um insano com iniciativa”.
Por fim, lembrando que muitos desses afetados são pessoas que aprendemos a amar e respeitar por várias razões, e partindo da premissa de que a grande maioria de nós deseja conviver de maneira pacífica, digna, equilibrada e respeitosa em sociedade, é preciso, ao diagnosticarmos essas pessoas em nossos cotidianos, não apenas evitar polêmicas infrutíferas, mas também nos aprimorar na condução respeitosa dos diálogos — e até mesmo dos debates.
Quase sempre, um extremista é alguém com medo da própria ignorância, sem muitas alternativas além de vociferar dogmas e verdades que nem ele mesmo compreende ou realmente acredita. Muitas vezes, esse comportamento é um pedido de socorro, um apelo por atenção às próprias angústias.
Em última análise, o extremista é alguém que, incapaz de aceitar a mediocridade da vida que o engoliu, e sem saber como reagir às suas dores, resolve puxar para dentro do abismo que habita todos aqueles que vê passeando nas margens.
*Gustavo Varella é advogado, jornalista, professor e mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV
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