João Batista Dallapiccola Sampaio – “A criação de um sistema fast track de análise para redução da judicialização da Saúde”

A judicialização da saúde tornou-se, nos últimos anos, uma realidade constante no sistema jurídico e sanitário brasileiro. Milhares de cidadãos, amparados pelo direito constitucional à saúde, recorrem ao Poder Judiciário para garantir acesso a medicamentos, exames, procedimentos e tecnologias que não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), ou que, embora disponíveis, não são ofertados de forma adequada, tempestiva ou suficiente.

Essa crescente demanda judicial impõe enormes desafios à gestão pública, exigindo soluções que melhorem a governança do setor, assegurem maior racionalidade nas decisões administrativas e promovam uma regulação mais ágil e eficiente.

Nesse contexto, a criação de um sistema de análise acelerada, ou fast track, surge como uma resposta estratégica e necessária para enfrentar as causas estruturais da judicialização da saúde e mitigar seus impactos negativos.

O Fenômeno da Judicialização da Saúde no Brasil

A judicialização da saúde decorre, em grande parte, da desconexão entre o avanço das inovações médicas e a capacidade do SUS de incorporar, de forma rápida e organizada, novas tecnologias, medicamentos de alto custo e tratamentos especializados.

Muitas vezes, pacientes buscam na Justiça o acesso a produtos ainda não registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ou ainda não avaliados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC).

 Esse cenário gera insegurança jurídica, sobrecarga do Judiciário e impactos econômicos relevantes. Em muitos casos, decisões judiciais determinam o fornecimento de produtos sem respaldo técnico, sem avaliação de custo-benefício ou sem estudos conclusivos de eficácia e segurança, o que pode comprometer não apenas o equilíbrio orçamentário do sistema, mas também a saúde dos próprios pacientes.

Além disso, o caráter reativo da judicialização tende a favorecer situações individuais em detrimento da coletividade, criando distorções na política pública de saúde.

Diante desse quadro, torna-se imperativo investir em mecanismos que acelerem e qualifiquem a análise regulatória de novos produtos e tecnologias, conferindo maior previsibilidade e racionalidade às decisões administrativas e judiciais.

A RDC nº 204/2017 e a Criação de um Procedimento Célere na Anvisa

Como parte das estratégias para enfrentar o problema, destaca-se a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 204, de 27 de dezembro de 2017, que instituiu, no âmbito da Anvisa, um procedimento prioritário e simplificado para o registro de medicamentos e produtos para a saúde considerados essenciais.

Essa norma permite que determinados produtos, especialmente aqueles voltados ao tratamento de doenças raras, emergências em saúde pública ou necessidades não atendidas pelo mercado, sejam analisados em prazos mais curtos e com menor burocracia, sem prejuízo da qualidade, eficácia e segurança. 

A RDC 204/2017 foi um marco regulatório importante, ao reconhecer a urgência de determinadas demandas sanitárias e propor uma via técnica para sua resolução.

 A implementação desse procedimento fast tracktem contribuído significativamente para reduzir a judicialização relacionada a produtos ainda não registrados, já que o tempo de espera para o registro oficial é um dos principais fatores que levam os pacientes à judicialização.

Ao acelerar a análise e o registro de novos produtos, o sistema de saúde passa a contar, mais rapidamente, com opções terapêuticas disponíveis, legalmente aprovadas e respaldadas por evidências científicas.

 O Fast Track como Ferramenta de Qualificação das Decisões

Além de reduzir o número de ações judiciais, a criação de um sistema fast track de análise regulatória qualifica o processo decisório, tanto na esfera administrativa quanto judicial. Isso ocorre porque, ao disponibilizar avaliações técnicas tempestivas e completas, os órgãos reguladores fornecem subsídios fundamentais para uma atuação mais informada e segura dos gestores e magistrados.

A qualificação da análise das tecnologias em saúde é um elemento central para garantir que decisões envolvendo a incorporação ou o fornecimento de medicamentos e tratamentos sejam baseadas em critérios objetivos, científicos e transparentes. 

Isso favorece a construção de políticas públicas sustentáveis, equitativas e que respeitam os princípios da universalidade e integralidade do SUS.

Além disso, a previsibilidade regulatória promovida pelo procedimento fast track fortalece a relação entre o Estado, a indústria farmacêutica e os usuários do sistema de saúde. 

Com processos mais claros e céleres, empresas têm maior incentivo para submeter seus produtos à Anvisa, evitando lançamentos informais ou paralelos. 

Ao mesmo tempo, os gestores públicos podem planejar de forma mais eficaz a incorporação de novas tecnologias, alocando recursos com base em evidências e não em decisões emergenciais.

Outro ponto de destaque é que o fast track também serve como instrumento de justiça social. Ao evitar que apenas aqueles que conseguem acessar o Judiciário obtenham determinados tratamentos, o sistema regulatório contribui para o acesso igualitário à saúde, de forma programada e responsável.

Isso reduz as desigualdades geradas pela judicialização individual e permite que as políticas públicas sejam construídas com foco na coletividade.

Decisões Técnicas, Sustentáveis e Justas

Um sistema eficiente de análise acelerada não apenas atende às urgências sanitárias, mas também fortalece a capacidade do Estado em tomar decisões mais justas, técnicas e sustentáveis. 

Ao considerar critérios como eficácia, segurança, custo-efetividade e impacto orçamentário, o fast track não ignora o contexto econômico, mas o integra de forma responsável na avaliação das necessidades em saúde.

Com isso, é possível avançar para um modelo de saúde pública mais equilibrado, em que as inovações são incorporadas com responsabilidade e os direitos dos cidadãos são respeitados sem comprometer a coletividade ou o funcionamento do SUS. 

A justiça, nesse modelo, não é apenas uma resposta judicial, mas uma construção técnica baseada em evidências, que promove equidade e sustentabilidade.

 

Benefícios do sistema fast track para o cotidiano

A criação de um sistema fast track de análise para o registro e incorporação de novas tecnologias em saúde representa uma medida concreta e estratégica para enfrentar o fenômeno da judicialização da saúde no Brasil.

A experiência trazida pela RDC nº 204/2017 é um exemplo bem-sucedido de como a celeridade regulatória pode contribuir para a melhoria da gestão em saúde, ao permitir o acesso mais rápido a produtos essenciais, garantir maior segurança jurídica e reduzir a dependência de decisões judiciais.

Ao acelerar os processos de avaliação e registro, qualificar as decisões técnicas e promover maior previsibilidade regulatória, o fast track fortalece o sistema de saúde como um todo. Ele permite a construção de políticas mais racionais, equilibradas e voltadas à coletividade, superando a lógica reativa da judicialização individual.

Portanto, investir na expansão e no aprimoramento de procedimentos céleres e tecnicamente robustos é fundamental para a construção de um sistema de saúde mais justo, sustentável e comprometido com a universalidade do direito à saúde no Brasil.

A judicialização deve ser a exceção, e não a regra, em um país que busca consolidar um modelo público de saúde baseado em evidências, equidade e responsabilidade social.

 

*Escrito por João Batista Dallapiccola Sampaio, advogado trabalhista, em conjunto com Marcelo da Silva Henriques, advogado especializado em Direito Médico e de Saúde e Helber Antonio Vescovi, advogado – OAB ES 4377.

*A opinião dos articulistas é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a posição do portal News Espírito Santo

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Diretor de conteúdo – Eduardo Caliman

Jornalista formado pela Ufes (1995), com Master em Jornalismo para Editores pelo CEU/Universidade de Navarra – Espanha. Iniciou a carreira em A Tribuna e depois atuou por 21 anos em A Gazeta, como repórter, editor de Política, coordenador de Reportagens Especiais e editor-executivo. Foi também presidente do Diário Oficial, subsecretário de Comunicação do ES e, de 2018 a 2024, coordenador de comunicação institucional no sistema OAB-ES/CAAES.

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