João Batista Dallapiccola Sampaio – “A Pejotização no Direito do Trabalho Brasileiro”

Em meio a tanta insegurança jurídica, foi possível extrair uma característica que se repete na posição de todos os doutrinadores e em todas as decisões analisadas anteriormente, seja nos TRT’s, TST ou no STF: a fraude, que se revela pela intenção de burlar a relação de emprego por meio da formalidade do contrato de trabalho celebrado entre duas pessoas jurídicas. A partir dessa característica, é possível determinar o conceito jurídico de pejotização.

Revela-se, assim, a influência da política neoliberal, que defende a flexibilização de preceitos trabalhistas com a justificativa de que esses seriam um entrave ao avanço econômico por limitarem a atuação do capital. Nesse contexto, surge no cenário brasileiro a Reforma Trabalhista de 2017, com o acentuamento da terceirização.

Desse modo, para a correta definição do fenômeno, é preciso compreender o contexto histórico e político que permeou sua formação e deu origem à natureza jurídica da pejotização, advinda de uma política de flexibilização de normas protetivas. Logo, a pejotização tem origem na precarização do trabalho.

Embora a figura da pejotização seja atrativa às empresas contratantes e, muitas vezes, até aos trabalhadores contratados, atualmente a prática é um dos fatores preeminentes quando a pauta é a precarização do trabalho, pois a conduta pressupõe a supressão dos direitos trabalhistas e, até mesmo, da dignidade da pessoa humana.

O empregador se vê diante de uma situação jurídica respaldada em diversos pontos do ordenamento, como o Tema 725 do STF, que autoriza a prática de novas formas de contratação e é benéfico, pois isenta o contratante de responsabilidades trabalhistas, como concessão de férias, pagamento de 13º salário, aposentadoria, FGTS, aviso prévio indenizado, dentre outros.

Dessa forma, consiste em contratar funcionários (pessoas físicas) por meio da constituição de pessoa jurídica para prestação de serviços, camuflando uma relação de emprego — especialmente pela presença da subordinação — com a finalidade exclusiva de afastar o dever de pagamento das verbas e encargos trabalhistas e previdenciários. Trata-se de conduta que, por certo, continua sendo considerada ilegal.

Nesse diapasão, é notável o reforço do entendimento de que se trata de fraude para burlar o vínculo de emprego, com a intenção de se livrar dos encargos celetistas.

Podemos citar inúmeros entendimentos sobre o instituto da pejotização:

“A pejotização refere-se ao ato de realizar contratações fraudulentas de funcionários mediante a criação de pessoas jurídicas, como forma de se eximir do pagamento de encargos trabalhistas e previdenciários.” (Leonel, 2013)

Barbosa e Orbem (2015) definem a pejotização como uma forma de contrato em que há a figura de dois agentes: de um lado, a empresa contratante, responsável por efetuar as contratações; e, do outro, a pessoa física contratada — ou funcionário — que, mediante a constituição de pessoa jurídica vinculada a si, passa a prestar serviços à empresa de maneira personalíssima.

Ressaltamos que não se trata de uma relação trilateral, como na terceirização. Diferencia-se, pois trata-se de uma relação de trabalho bilateral entre empresas, na qual, em tese, o trabalhador contratado deveria prestar serviços de forma autônoma, livre de subordinação e pessoalidade.

Na prática, o que ocorre é a contratação de um MEI, detentor de CNPJ, o qual desempenhará as funções de maneira exclusiva, pessoal e subordinada — ainda que de forma meramente estrutural. A criação do CNPJ serve para constituir a parte contratual que exercerá a prestação laborativa. Nesse molde, o vínculo celetista fica afastado, uma vez que os cinco requisitos da relação de emprego precisam estar cumulados e, nessa hipótese, falta o pressuposto da pessoa natural.

Logo, ficou claro que a pejotização é um fenômeno jurídico que consiste na dinâmica da contratação formal de uma pessoa jurídica e real de uma pessoa física, que exercerá a atividade de modo subordinado, com o intuito de afastar o requisito da pessoa natural da relação de emprego.

Concluímos que, diante da complexidade da questão e da existência de tantos elementos contraditórios, normas generalistas — como o Tema 725 do STF, que afirma ser lícita qualquer forma de contratação de pessoas jurídicas distintas — convivem com decisões que tentam limitar a ampla abrangência desse enunciado, reconhecendo a fraude até mesmo pelo próprio STF.

Destaca-se, ainda, a resistência do Tribunal Superior do Trabalho, órgão máximo especializado, que é orientado pelos princípios protetivos ao trabalhador e vivencia, com mais nitidez, a realidade das relações de trabalho no Brasil.

O conjunto de ideias apresentadas demonstra a posição de fragilidade à qual o trabalhador está exposto diante da flexibilização das normas celetistas e da Lei da Terceirização, conforme ideários patronais que se sobrepuseram aos interesses da classe trabalhadora.

As análises dos julgados dos TRT’s, TST e STF sobre a pejotização foram essenciais para a compreensão do atual fenômeno e revelaram que a principal característica do instituto é apurar a intenção do empregador de fraudar a relação de emprego ao deturpar o elemento da pessoa natural, realizando contratações por pessoa jurídica, porém com todos os demais requisitos do vínculo de emprego — em especial, a subordinação, que descaracteriza a ideia de autonomia nesse tipo de contratação.

Outro ponto cristalino foi a observância dos casos concretos nos quais, muitas vezes, o empregador exigiu a constituição de microempreendedor individual por parte do candidato à vaga como condição para admissão. Também há situações em que o mesmo trabalhador foi demitido sem justa causa, sob o regime celetista, e, logo em seguida, recontratado como um mero prestador de serviço exclusivo, por meio de um contrato civil e não de trabalho.

Percebe-se, portanto, uma mudança de paradigma antes e após a Reforma Trabalhista, e o comportamento dos tribunais frente a essas mudanças — em especial, dos TRT’s — que, em suas decisões, cuidaram de ressaltar os princípios constitucionais e os princípios do Direito do Trabalho, sobretudo o da primazia da realidade sobre a forma, essencial para a proteção do trabalhador e segurança de seus direitos.

Deixamos claro que o princípio da primazia da realidade sobre a forma foi o principal argumento utilizado para atestar a pejotização e reconhecer o vínculo de trabalho, afastado por uma contratação meramente formal entre pessoas jurídicas, que, diferentemente da terceirização, não constitui uma relação tridimensional.

Tendo em vista os aspectos abordados, percebe-se que o tema é de grande relevância e altamente contemporâneo. É incerto, portanto, como a pejotização será tratada no futuro. O presente artigo aponta que há uma certa aplicabilidade e aceitação dessa forma de avença entre duas pessoas jurídicas, o que é mais vantajoso para o patrão, sendo que contratar um empregado regido pela CLT passa a ser apenas uma escolha pessoal do empregador.

Desse modo, dependendo dos rumos que a jurisprudência e a legislação tomarem quanto à pejotização — especialmente se os impactos forem minimizados e as sanções para quem fraudar a relação de emprego permanecerem ínfimas — poderá ocorrer o fim ou a drástica redução do regime celetista no mercado de trabalho brasileiro. O que restará, como forma de resistência, serão os doutrinadores críticos, juízes, desembargadores e ministros trabalhistas que mantêm uma visão social e laboral mais apurada.

Chegamos, assim, a um conceito mais estruturado sobre a pejotização por meio do levantamento de suas características, conforme reveladas pela jurisprudência e pela doutrina, além da análise de seu contexto político e histórico, marcado por ideias neoliberais que enxergam a proteção ao trabalhador vulnerável como um entrave ao desenvolvimento econômico.

Logo, o caráter exploratório e precário da relação de trabalho constituída por meio da contratação via PJ evidencia-se, uma vez que o trabalhador exerce suas atividades com subordinação, não eventualidade, onerosidade e pessoalidade, contudo, sem os benefícios de férias, 13º salário, aposentadoria, FGTS e normas que regulam trabalho insalubre e periculoso.

Constata-se, portanto, a precarização do trabalho por um artifício malicioso que burla o pressuposto da pessoa natural, sob a roupagem de pessoa jurídica, para afastar o vínculo empregatício: a pejotização.

João Batista Dallapiccola Sampaio é advogado militante há 39 anos

*A opinião dos articulistas é de total responsabilidade dos autores e não reflete necessariamente a posição do portal News Espírito Santo

Matéria escrita em conjunto com o Doutor Geovalte Lopes de Freitas — Advogado.

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Diretor de conteúdo – Eduardo Caliman

Jornalista formado pela Ufes (1995), com Master em Jornalismo para Editores pelo CEU/Universidade de Navarra – Espanha. Iniciou a carreira em A Tribuna e depois atuou por 21 anos em A Gazeta, como repórter, editor de Política, coordenador de Reportagens Especiais e editor-executivo. Foi também presidente do Diário Oficial, subsecretário de Comunicação do ES e, de 2018 a 2024, coordenador de comunicação institucional no sistema OAB-ES/CAAES.

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