João Batista Dallapiccola Sampaio – “Italianos e alemães no Direito brasileiro: o legado do Espírito Santo”

A imigração italiana e alemã para o Brasil, especialmente no século XIX, não apenas moldou a cultura e a economia, mas também deixou marcas profundas no sistema jurídico nacional. No estado do Espírito Santo, onde essas comunidades se estabeleceram de forma significativa, sua influência pode ser observada tanto na formação do direito privado quanto nas práticas jurídico-sociais.

Ora, é translúcido que a história do Direito não se faz apenas por códigos e leis, mas também pelas mãos daqueles que, vindos de terras distantes, trouxeram consigo tradições jurídicas que se entrelaçaram com o ordenamento brasileiro.

Assim, o presente artigo analisa como os valores, costumes e estruturas legais trazidos por esses imigrantes contribuíram para a construção do Direito brasileiro, com base em legislações, doutrinas e reflexões sociológicas.

A partir da segunda metade do século XIX, o Brasil incentivou a vinda de imigrantes europeus, sobretudo italianos e alemães, com o objetivo de substituir a mão de obra escrava e promover o desenvolvimento agrícola — muitos sabiam também operar máquinas. No Espírito Santo, essas comunidades concentraram-se, inicialmente, em regiões como Santa Leopoldina, Santa Teresa, Domingos Martins e Alfredo Chaves, posteriormente espalhando-se por todos os municípios capixabas, onde estabeleceram colônias baseadas em princípios de cooperação e direito consuetudinário (SEYFERTH, 1997).

Abro parênteses para comentar que a imigração alemã se fixou inicialmente em Santa Leopoldina e Domingos Martins, ao passo que a italiana em Santa Teresa e Alfredo Chaves principalmente; e após, os imigrantes se espalharam por todo o território estadual.

Anoto também outros imigrantes importantes, como poloneses, suíços, luxemburgueses, e sírio-libaneses, entre outros.

Em 1980, a UFES divulgou estudo onde o Espírito Santo tinha, naquele momento, cerca de 69% de sua população descendente de imigrantes italianos.

Destaco que algumas famílias juntavam de fato suas colônias de terra em cooperativa, unindo seus esforços e dividindo os frutos entre os participantes.

Segundo o sociólogo Max Weber, “o direito não é apenas um conjunto de normas, mas uma expressão da cultura e da organização social de um povo” (WEBER, 1922). Essa perspectiva ajuda a entender como os imigrantes, ao trazerem suas tradições jurídicas, influenciaram a formação de um direito mais plural no Brasil.

Os imigrantes italianos e alemães, maioria da imigração capixaba, possuíam uma forte tradição em direito civil, especialmente no que diz respeito às relações familiares e contratuais. O Código Civil de 1916, de inspiração germânica, refletiu essa influência, incorporando princípios como a boa-fé objetiva (art. 113) e a função social do contrato (art. 421, CC/2002), conceitos já presentes nas práticas comunitárias desses grupos.

O jurista Miguel Reale, em sua Teoria Tridimensional do Direito, destaca que “o direito é fato, valor e norma” (REALE, 1968), o que explica como os costumes trazidos pelos imigrantes se tornaram parte integrante da normatização brasileira. No Espírito Santo, por exemplo, as colônias mantinham sistemas de mediação de conflitos baseados no direito consuetudinário, antecipando mecanismos hoje previstos no Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), como a conciliação (art. 165).

Dessa forma, a organização comunitária dos imigrantes também influenciou o direito coletivo brasileiro. As “sociedades de socorro mútuo”, comuns entre italianos e alemães, foram precursoras das associações e cooperativas, hoje regulamentadas pelo Código Civil (arts. 1.093 a 1.096). Além disso, a noção de solidariedade e trabalho associativo inspirou legislações trabalhistas, como a CLT (Decreto-Lei 5.452/1943), que reflete princípios de proteção ao trabalhador herdados da tradição europeia.

Nesse sentido, o filósofo Jürgen Habermas argumenta que “o direito deve ser um produto da interação comunicativa entre os grupos sociais” (HABERMAS, 1992). Essa ideia se materializa na forma como as comunidades imigrantes no Espírito Santo construíram sistemas jurídicos informais, posteriormente absorvidos pelo Estado.

O Direito brasileiro, como um mosaico, foi sendo formado não apenas pelas leis escritas, mas também pelas contribuições silenciosas daqueles que, ao cruzarem oceanos, trouxeram consigo os alicerces de uma nova ordem jurídica.

A imigração italiana e alemã deixou um legado indelével na construção do Direito brasileiro, especialmente no Espírito Santo, onde suas tradições jurídicas se fundiram com o ordenamento nacional. Seja no direito privado, nas relações contratuais ou na organização social, a influência desses povos demonstra que o Direito é um fenômeno dinâmico, moldado pela cultura e pela história.

*Escrito por João Batista Dallapiccola Sampaio, advogado trabalhista, em conjunto com em conjunto com a advogada Jane Mara Boldt Rheinel – OAB/ES 19.013.

*A opinião dos articulistas é de total responsabilidade dos autores e não reflete necessariamente a posição do portal News Espírito Santo

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Diretor de conteúdo – Eduardo Caliman

Jornalista formado pela Ufes (1995), com Master em Jornalismo para Editores pelo CEU/Universidade de Navarra – Espanha. Iniciou a carreira em A Tribuna e depois atuou por 21 anos em A Gazeta, como repórter, editor de Política, coordenador de Reportagens Especiais e editor-executivo. Foi também presidente do Diário Oficial, subsecretário de Comunicação do ES e, de 2018 a 2024, coordenador de comunicação institucional no sistema OAB-ES/CAAES.

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