Hoje, 1º de dezembro, o calendário nos convoca a uma pausa necessária, um momento de reflexão profunda sobre a jornada que a humanidade tem percorrido desde o surgimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a AIDS. Para mim, que dediquei quatro décadas de minha vida à advocacia, com o coração e a mente voltados para a defesa intransigente dos direitos sociais – notadamente nas áreas trabalhista e previdenciária -, esta data ressoa com uma intensidade particular. Ela não é apenas um lembrete da saúde pública, mas um marco indelével na luta pela dignidade humana e contra o preconceito mais vil.
Ao longo desses quarenta anos, vi a lei evoluir, mas, infelizmente, o preconceito nem sempre acompanhou o mesmo ritmo. A minha trajetória profissional me colocou na linha de frente de batalhas que jamais deveriam ter sido travadas: a defesa de clientes que, em meio à fragilidade de um diagnóstico de HIV, ainda precisavam lutar contra a crueldade da discriminação no ambiente de trabalho. Lembro-me de cada rosto, de cada história de dispensa arbitrária, de cada olhar de desespero de quem via seu sustento e sua dignidade serem roubados por uma ignorância que a ciência já havia superado.
O direito, para mim, nunca foi um conjunto frio de normas. É, antes de tudo, um instrumento de justiça social. No campo do Direito do Trabalho, a proteção contra a dispensa discriminatória de portadores de HIV é um pilar de nossa jurisprudência, consolidada, por exemplo, na Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho. Esta súmula presume discriminatória a dispensa de empregado portador do vírus, invertendo o ônus da prova e reafirmando o princípio constitucional da não-discriminação. Não se trata de um privilégio, mas de um escudo legal para proteger o hipossuficiente de uma violência moral e econômica.
No âmbito previdenciário, a luta se manifesta na garantia de que a doença, quando incapacitante, seja reconhecida para a concessão de benefícios como o auxílio por incapacidade temporária ou a aposentadoria por invalidez. O diagnóstico de HIV, por si só, não é sinônimo de incapacidade, mas a lei e a jurisprudência devem estar atentas às suas manifestações e, principalmente, ao estigma social que, por vezes, impede a reinserção ou a permanência no mercado de trabalho, transformando a necessidade de um benefício em uma questão de sobrevivência e dignidade.
O que aprendi em quarenta anos de trincheira é que a lei é forte, mas a humanidade precisa ser mais forte ainda. O 1º de dezembro nos lembra que a luta contra a AIDS é também uma luta por um ambiente de trabalho mais justo, por um sistema previdenciário mais acolhedor e por uma sociedade que compreenda que o vírus não define o valor ou o direito de um indivíduo. A experiência de patrocinar essas defesas me ensinou que a advocacia social é um sacerdócio que exige não apenas conhecimento técnico, mas uma imensa dose de empatia e resiliência.
Que esta data sirva não apenas para lembrarmos da importância da prevenção e do tratamento, mas para reafirmarmos nosso compromisso inabalável com a erradicação de todas as formas de discriminação. A verdadeira vitória sobre a AIDS virá quando o preconceito for, finalmente, extinto de nossos tribunais, de nossos locais de trabalho e de nossos corações. O direito social é a nossa arma mais poderosa nessa batalha contínua pela igualdade e pela dignidade de todos.
*João Batista Dallapiccola Sampaio é advogado especialista em Direito Trabalhista.
