Prezado leitor,
O tema que hoje nos ocupa é dos mais intrigantes no Direito Processual do Trabalho: a sentença parcial de mérito. Figura consagrada no Processo Civil (art. 356 do CPC/2015), ela tem sido transplantada para a Justiça Laboral de forma controversa, gerando debates acalorados entre operadores do direito. Seria ela um instrumento legítimo de eficiência processual ou um verdadeiro “monstrengo jurídico”, capaz de gerar insegurança e tumulto nos autos?
A sentença parcial de mérito no CPC e sua (frustrada) recepção pela CLT
No Processo Civil, a sentença parcial de mérito está expressamente prevista no art. 356 do CPC, permitindo ao juiz julgar parte da demanda quando possível a divisão do objeto litigioso. Contra tal decisão, caberá agravo de instrumento (art. 356, §5º, c/c art. 1.015, II, ambos do CPC), assegurando-se imediato controle recursal.
Já na Justiça do Trabalho, a CLT é silente sobre essa modalidade de decisão. Durante 40 anos de advocacia de balcão, notadamente no ramo dos direitos sociais, pude observar que sua aplicação era episódica e pouco difundida. No entanto, com a entrada em vigor do CPC/2015, que trouxe maior formalização ao procedimento, esse instituto passou a ser mais frequentemente invocado pelos juízes do trabalho, ainda que sem amparo direto na legislação trabalhista.
Diante desse vácuo normativo, os juízes passaram a aplicar subsidiariamente o art. 356 do CPC, com base no art. 769 da CLT, que autoriza a utilização das regras processuais civis supletivamente.
O problema: a falta de um recurso imediato e a solução (questionável) do TST
Aqui surge o primeiro entrave: enquanto no CPC a sentença parcial é atacada por agravo de instrumento, na CLT não há previsão para esse recurso. Como garantir, então, o direito ao duplo grau de jurisdição sem ferir a estrutura recursal trabalhista?
A resposta veio com o Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT nº 3/2020, que, em seu art. 2º, estabeleceu que contra a sentença parcial de mérito caberá recurso ordinário. A solução, porém, é no mínimo curiosa: (i) primeiro recurso ordinário: contra a sentença parcial de mérito; (ii) segundo recurso ordinário: contra a sentença final.
Isso significa que, em tese, haverá dois recursos ordinários no mesmo processo, violando o princípio da unicidade recursal (que prevê apenas um recurso ordinário por fase decisória).
Monstrengo jurídico? Entre a celeridade e o tumulto processual
A sentença parcial de mérito foi concebida para dar celeridade ao processo, permitindo que partes da lide sejam resolvidas antecipadamente. No entanto, sua aplicação na Justiça do Trabalho gera insegurança:
(i) Violação à economia processual: dois recursos ordinários podem alongar, em vez de encurtar, o trâmite;
(ii) Risco de decisões contraditórias: o Tribunal pode reformar a sentença parcial, mas o juiz, ao proferir a decisão final, pode adotar entendimento diverso;
(iii) Falta de previsão legal clara: a CLT não disciplinou o tema, deixando a solução a cargo de atos administrativos do TST.
Conclusão: necessidade de reforma ou abolição?
Enquanto o CPC resolveu a questão com o agravo de instrumento, a Justiça do Trabalho criou um remendo processual, admitindo dois recursos ordinários no mesmo feito. Seria esse o melhor caminho? Ou seria preferível que o legislador trabalhista regulasse expressamente a matéria, definindo um recurso adequado (como um agravo interno)?
Enquanto isso não acontece, a sentença parcial de mérito laboral segue como um “monstrengo jurídico” – criado com boas intenções, mas capaz de gerar mais problemas que soluções.
E você, caro leitor, o que pensa sobre o tema? A sentença parcial de mérito na Justiça do Trabalho é um avanço ou uma anomalia processual?
Matéria escrita com o brilhante Advogado o Doutor Carlos Augusto Alledi, especializado em Direito Social.
João Batista Dallapiccola Sampaio é advogado militante há 39 anos
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