João Gualberto: “Adolecência”

Adolescência é uma minissérie britânica de televisão que é hoje um fenômeno mundial de público. Ela gira em torno de um estudante de 13 anos que é preso sob acusação de assassinar uma colega de classe. Como um dos panos de fundo, aborda a radicalização de meninos no universo digital por influência de comunidades masculinas, que propagam ideias como a da superioridade dos homens, defendendo até mesmo o uso da violência.

Não vou dar spoiler, ser uma espécie de desmancha-prazeres, para os que não viram  ainda a série. Na verdade, quero usar Adolescência para chamar a atenção para uma mudança importante de comportamento nos nossos dias. O mote da série é o bullying digital que se faz entre os alunos de uma escola, numa pequena cidade inglesa. Os alunos, mais do que expor ao ridículo seus colegas de forma presencial, como sempre se fez muito no Brasil, agora fazem isso com maior alcance. Uma perversidade ampliada pela tecnologia, e à disposição de todos, baseada em preconceitos como o machismo.

Em qualquer rede social isso pode ser feito, desde owhatsapp até facebook ou o instagram, como mostra com muito bem Adolescência. Muita coisa fica protegida por um código de compreensão difícil para quem está fora da bolha. Uma investigação conduzida por quem não entende esses códigos dificilmente pode chegar a bom termo, como bem mostra a série de televisão.

Isso deve chamar a atenção de todos sobre a necessidade de a sociedade ter essas redes sob controle. Quando setores empresariais que as exploram dizem que querem ampla liberdade de expressão, na verdade estão tentando manter todos esses movimentos, que as fazem o epicentro da vida na sociedade contemporânea, totalmente livres. Um outro filme de muito sucesso recente, o Quarto ao Lado, do festejado diretor espanhol Pedro Almodóvar, mostra como a personagem, que queria tirar sua própria vida, consegue comprar um medicamente proibido na internet, na sua versão conhecida como Dark Web, ou a internet obscura.

Nesse território opaco pode-se comprar um pouco de tudo, ou aprender a fazer também muita coisa que as pessoas comuns até duvidam, já que os sites ali alojados estão não são indexados pelos mecanismos de busca. Lá estão fóruns privados e redes sociais restritas. Armas, formas de cometer suicídios, receitas para fazer bombas, objetos cuja venda é proibida. De tudo tem um pouco lá.

Quando os grandes investidores dessas máquinas de negócios gigantesca que é a internet não querem que os seus mundos sejam disciplinados, é porque não querem ter seus lucros reduzidos. Assim, quando as redes conseguem manipular as massas e elas se revoltam contra o sistema legal dos países, há muito mais em jogo do que o direito de xingar livremente qualquer pessoa, sem ter que pagar pelos próprios excessos.

Não existe a possibilidade de uma sociedade sem leis, nenhum país pode ser governado pela lei do desejo. Os sistemas legais existem para que as pessoas que infrinjam as boas normas de convivência legal sejam punidas, presas se for necessário. Punir é cada vez mais difícil, não é fácil fazer esse controle em uma sociedade globalizada, onde as fronteiras são muito fluidas. Por isso mesmo, nós precisamos de princípios legais que estejam de acordo com as culturas nacionais.

Há hoje uma luta política em torno da disciplina das redes sociais. Aos que buscam instrumentos para desconstruir o sistema de poder vigente, as redes parecem oferecer uma alternativa de divulgação de notícias e ideias fora do controle da mídia tradicional. Ocorre que as redes sociais não são apenas um substituto dos jornais, do rádio e da televisão na propagação de notícias. São muito mais, são lugares de construção de uma nova ordem de coisas, onde se misturam publicidade, propaganda, meias-verdades e, desde que permitamos, um sem fim de negócios sem regra e sem obediência a ninguém.

Por isso os donos desses novos espaços de construção social, tão logo começam a operar, tentam descontruir o sistema legal das sociedades – em especial das supremas cortes de cada país – para operarem sem dar conta de nada a ninguém. Adolescência mostra os riscos da falta de ordem de um mundo contemporâneo cujo nascimento estamos presenciando, e da necessidade de manter as redes sociais sob controle.

João Gualberto Vasconcellos é mestre e professor emérito da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Doutor em Sociologia pela Escola de Altos Estudos em Ciência Política de Paris, na França, Pós-doutorado em Gestão e Cultura. Foi secretário de Cultura no Espírito Santo entre 2015 e 2018.

*A opinião do articulista é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a posição do portal News Espírito Santo

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Diretor de conteúdo – Eduardo Caliman

Jornalista formado pela Ufes (1995), com Master em Jornalismo para Editores pelo CEU/Universidade de Navarra – Espanha. Iniciou a carreira em A Tribuna e depois atuou por 21 anos em A Gazeta, como repórter, editor de Política, coordenador de Reportagens Especiais e editor-executivo. Foi também presidente do Diário Oficial, subsecretário de Comunicação do ES e, de 2018 a 2024, coordenador de comunicação institucional no sistema OAB-ES/CAAES.

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