Analistas vinham trabalhando com a ideia do surgimento de uma centro-direita com um discurso mais comedido.
Quando, em 2018, a força avassaladora da candidatura presidencial de Jair Bolsonaro tomou conta do processo eleitoral, o carisma do candidato tornou-se uma forte marca. É comum que fenômenos de uma grande força política, de uma liderança potente, dominem determinado processo eleitoral e se transformem numa espécie de febre que toma grande parte dos os eleitores, conduzindo todos os desdobramentos da situação.
No Espírito Santo isso ocorreu em 1982, quando Gerson Camata venceu o pleito e alavancou um grande número de prefeitos, vereadores e deputados. Foi a estrela Camatista que presidiu aquele momento tão rico em nosso estado. Toda uma geração política de líderes como Paulo Hartung, Luiz Moulin, Rose de Freitas e Renato Casagrande nasceu ali. A lógica dos governos militares que findavam sua jornada política foi francamente derrotada e o Espírito Santo começou uma nova jornada.
Entretanto, voltando aos fatos nacionais contemporâneos posteriores à vitória disruptiva da nova direita, por diversas e complexas razões que os leitores muito bem conhecem, a gestão de Jair Bolsonaro frente ao governo nacional não ampliou e nem manteve acesa toda essa força, tanto que ele não se reelegeu em 2022. Mesmo assim, o bolsonarismo permaneceu suficientemente forte para seguir importante na cena política brasileira, e de forma decisiva em muitas situações. Mas uma coisa também é certa: a liderança de Jair Bolsonaro continua, mas é uma força em evidente declínio.
Um exemplo muito claro disso é o esvaziamento das manifestações de rua organizadas pela direita e por seus grandes líderes evangélicos, como o Pastor Silas Malafaia. O eleitor que foi às manifestações apinhadas de gente nas versões anteriores, mas que não compareceu a essas últimas, nem por isso deixou de ser conservador. Talvez esteja mais contido nos discursos ou mesmo cansado da chamada guerra cultural, mas continua conservador. É preciso acompanhar com atenção o que vem se passando nessa bolha de insatisfeitos devido à radicalização, à verbalização excessiva. Existem sinais de cansaço, afinal são quase oito anos de discussões, palavrões, bate-bocas, quando não agressões físicas.
Todas as evidências indicam que há uma massa expressiva de eleitores que deseja certa pacificação, buscando um líder com propostas nacionais fora da disputa que atualmente está colocada. Assim, em um país que continua conservador, porém cansado do extremismo, pareceria natural que as lideranças de direita fizessem uma inflexão para o centro. Os analistas vinham trabalhando com a ideia do surgimento de uma centro-direita com um discurso mais comedido, capaz de absorver esse contingente de moderados.
Tudo vinha apontando na direção de uma candidatura de centro-direita mais viável eleitoralmente. Tanto é assim que o nome do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, havia despontado como liderança capaz de ocupar esse espaço de maior moderação. Ministro do governo de Jair Bolsonaro, oriundo de um quadro mais técnico e de pouca experiência política, venceu a eleição graças à força do ex-presidente no interior de São Paulo, mas vem conduzindo o governo sem os extremismos do líder a quem serviu.
Desta forma, saiu das entranhas do bolsonarismo um quadro que parecia capaz de fazer a transição para uma centro-direita mais técnica, menos explosiva e mais focada em políticas públicas. No entanto, desde a eleição e posse do presidente Donald Trump, as coisas começaram a mudar, a desandar. Do alto de sua inexperiência, Tarcísio se precipitou em tudo: na adesão ao novo presidente estadunidense, na defesa de sua lógica imperialista e, sobretudo, no apoio ao tarifaço. O resultado de tantos desacertos tem sido a inevitável desidratação de sua candidatura.
Para piorar a situação da direita, eis que o deputado federal do PL de São Paulo, Eduardo Bolsonaro, começou uma campanha de radicalização nacional contra o STF, na tentativa de salvar seu pai da condenação pelos atos golpistas do final de seu governo. Eduardo não está gostando das posições de liderança mais moderada no processo de Tarcísio. Começou a atirar também nele, enfraquecendo ainda mais sua possível candidatura presidencial.
Convenhamos que é muita confusão para uma candidatura só. A direita, assim, vai perdendo o lugar de destaque que vinha ocupando no quadro nacional. Como ainda estamos a um ano das eleições, muita coisa vai mudar, mas a direita recuou duas casinhas no jogo nacional de poder, cedendo espaço ao experiente Lula.
*João Gualberto Vasconcellos é mestre e professor emérito da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Doutor em Sociologia pela Escola de Altos Estudos em Ciência Política de Paris, na França, Pós-doutorado em Gestão e Cultura. Foi secretário de Cultura no Espírito Santo entre 2015 e 2018.
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