Luiz Paulo Vellozo Lucas – “Liberdade de expressão”

O Centro Acadêmico da Engenharia (CAENG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi criado em 1977 e queria comprar um mimeógrafo à tinta para imprimir suas publicações e panfletos. O movimento estudantil fustigava a ditadura desafiando a abertura política lenta e gradual, tentada no governo do general Ernesto Geisel, com manifestações e protestos.

As lojas especializadas de material de escritório vendiam duplicadores a tinta com a marca Gestetner, de origem inglesa, condicionada à apresentação de uma autorização emitida pela Polícia Federal — semelhante ao porte de arma. É claro que uma entidade estudantil nunca conseguiria a licença. Ninguém ousaria nem sequer ir à Polícia Federal requisitar o documento, temendo ser preso.

Mariazinha Vellozo Lucas, minha mãe, secretária-chefe da Casa Civil no governo Élcio Alvares, conseguiu comprar a máquina para nossa entidade com uma licença policial obtida em nome de uma inocente comunidade religiosa do interior do Estado. A operação subversiva de dona Mariazinha foi consumada com o transporte do mimeógrafo clandestino de Vitória para o Rio de Janeiro no porta-malas do insuspeito carro oficial do governador — um Ford Landau preto, placa 001.

Um casal amigo esteve recentemente passando pela fronteira da Venezuela com o Brasil para ter acesso à trilha ecológica do monte Roraima, e o controle feito pelas autoridades aduaneiras venezuelanas incluía inspecionar as redes sociais dos turistas em busca de postagens contrárias ao regime autoritário vigente no país. Publicações virtuais críticas são punidas com proibição de entrada. O casal esportista, sem militância política nas redes, foi liberado para entrar na Venezuela e fazer a deslumbrante trilha de mais de 100 km.

Donald Trump entrou com um processo de difamação contra o New York Times pedindo US$ 15 bilhões de danos morais em retaliação às matérias jornalísticas contrárias ao governo, publicadas no jornal. Um juiz federal da Flórida disse que a ação era imprópria e impermissível, pois continha retórica excessiva, ataques políticos e pouca clareza nas alegações.

Controles especiais pelo Serviço Secreto e novos protocolos foram implantados na Casa Branca a fim de pressionar a cobertura jornalística sobre as atividades da presidência da República, revoltando jornalistas e agências de notícias independentes.

O jornal O Estado de S. Paulo fez duro editorial no último dia 21/10 contra o ministro do STF Alexandre de Moraes, que requisitou das principais plataformas digitais dados sobre 69 usuários que teriam feito ameaças ao ministro Flávio Dino. “A mixórdia entre crítica e ataque, entre opinião e crime, é terreno fértil para o arbítrio”, diz o Estadão.

No mesmo editorial, o jornal afirma não concordar com a impunidade de crimes como aqueles cometidos sob Jair Bolsonaro contra a ordem democrática, mas ressalta que isso não pode servir de pretexto para fazer o STF funcionar como censor permanente das redes sociais. Este tema é complexo e possui diferentes abordagens, quase sempre não convergentes.

O historiador israelense Yuval Noah Harari adverte em Nexus, seu último livro, que as redes sociais geram realidades paralelas e bolhas de crenças e indignação, com o poder narrativo saindo da mão dos contadores de histórias profissionais — jornalistas, sacerdotes e professores — e passando para os algoritmos.

O massacre de 2017 no Mianmar (antiga Birmânia), onde 700 mil pessoas da minoria rohingya muçulmana foram massacradas e expulsas em massa pelos militares e extremistas que usaram discursos de ódio, boatos e mentiras disseminados pelo Facebook, ilustra bem os perigos do vale-tudo nas redes sociais.

A regulação da liberdade de expressão, os limites e as leis sobre injúria, calúnia e difamação, e a proteção da sociedade contra levantes e conspirações baseadas em manipulação de informações precisam ser atualizadas para o mundo de hoje — revolucionado pela internet, pelas redes sociais e pela inteligência artificial: uma revolução dentro da revolução.

É necessária uma regulação democrática e equilibrada que não seja nem censura nem licença para o vale-tudo. Trata-se de um desafio político colocado para todos os países do mundo, particularmente para aqueles que almejam ser democráticos. Evidentemente, não é o caso da Venezuela, nem da China, da Rússia e de outros que adotam a censura estatal sem qualquer pudor e nem sequer fingem prezar a liberdade de expressão.

Além do desafio regulatório, jurídico e institucional, acredito na crença emergente da moderação e do equilíbrio. Creio que, com o passar do tempo, o extremismo tende a tornar-se cada vez menos atraente e mais rejeitado, valorizando e moldando comportamentos e atitudes mais civilizadas, capazes de influenciar positivamente o mundo digital.

Desde o século XVIII, o Iluminismo prega que o preço da liberdade é a eterna vigilância. Muitos políticos, defensores das liberdades democráticas e adversários do autoritarismo — de Thomas Jefferson a Ulysses Guimarães — reinterpretaram e usaram a frase em diferentes contextos. Precisamos muito dela hoje!

*Luiz Paulo Vellozo Lucas é engenheiro de Produção e professor universitário. Mestrado em Desenvolvimento Sustentável. Ex-prefeito de Vitória-ES e ex-deputado federal pelo PSDB-ES. Membro da ABQ – Academia Brasileira da Qualidade.

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Diretor de conteúdo – Eduardo Caliman

Jornalista formado pela Ufes (1995), com Master em Jornalismo para Editores pelo CEU/Universidade de Navarra – Espanha. Iniciou a carreira em A Tribuna e depois atuou por 21 anos em A Gazeta, como repórter, editor de Política, coordenador de Reportagens Especiais e editor-executivo. Foi também presidente do Diário Oficial, subsecretário de Comunicação do ES e, de 2018 a 2024, coordenador de comunicação institucional no sistema OAB-ES/CAAES.

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