Luiz Paulo Vellozo Lucas – “Tarifas e fuzis”

A operação militar das polícias do Rio de Janeiro no complexo de favelas do Alemão e da Penha, que produziu 121 mortos, esquentou e redefiniu o debate político no país. O apoio maciço da opinião pública à operação policial, marca definitivamente o fim da paciência da população brasileira com a falta de uma estratégia nacional crível para a segurança pública, para o combate a violência e a criminalidade no Brasil.

Narcoterroristas, mafiosos ou simplesmente bandidos/criminosos, eles precisam ser combatidos com todas as forças. Ninguém discorda disto. Apesar do drama humano das mortes, do inusitado combate na mata que levou a coluna do BOPE à vitória sobre os soldados do Comando Vermelho e ao sucesso militar da operação, o Brasil segue perdendo esta guerra e pior, continua sem rumo.

No Congresso Nacional, a tramitação do PL AntiFacção foi capturado pela disputa política a começar pela indicação do relator na o deputado Guilherme Derrite, estrela do governo Tarcísio de Freitas, responsável por liderar a segurança pública em São Paulo. A luta pelo controle dos fundos orçamentários destinados à segurança pública entre a União e os estados, pela autonomia das policias estaduais e pelo nível de autoridade e de comando da esfera federal sobre as corporações policiais e judiciárias estaduais, preside de fato a disputa principal. O desafio de fazer as instituições nacionais e subnacionais funcionarem articuladas em cooperação é a dificuldade real, muito maior que os conflitos de ideologias. Enquanto não tivermos pactuado e implantado um SUSP – Sistema Único de Segurança Pública, o crime continuará ganhando o jogo de goleada.

A vulnerabilidade socioeconômica territorial pode ser traduzida pelo tamanho da disparidade entre a rentabilidade das atividades econômicas ilegais e criminosas, que precisam da violência para impor ordem e cumprimento de contratos, das atividades legais reguladas pela lei e pelas instituições do Estado. Nas favelas e na Amazônia essa disparidade de rentabilidades é enorme e faz crescer brutalmente a criminalidade. Alguns estudos sugerem que a partir de uma certa disparidade de rentabilidades não é possível derrotar militarmente o crime.

Descobrir como derrotar militarmente o crime é certamente uma questão fundamental. Equipamento de combate adequado, fuzis, drones e efetivo treinado importam. Inteligência e informação precisas são decisivas. Arcabouço legal para seguir o dinheiro ilegal e descobrir lavanderias financeiras, desmontá-las e prender seus operadores também. Quero, no entanto, trazer neste artigo uma proposta que apresentei na última campanha eleitoral para prefeito em Vitória que pode reduzir as disparidades entre a rentabilidade do crime e das atividades legais nos territórios econômicos urbanos vulneráveis: as favelas.

Os serviços urbanos básicos, começando com o saneamento, fornecimento de água tratada, coleta e tratamento de esgotos, drenagem pluvial, coleta e destinação de resíduos sólidos, fornecimento de energia elétrica e serviços de telecomunicações com internet, possuem marcos regulatórios setoriais independentes. Energia e telecomunicações são concessões federais e o saneamento obedece ao mesmo tempo a um ordenamento jurídico nacional e também local. Autorizar a criação de consórcios entre as concessionárias para oferecer serviços urbanos de maneira integrada, com uma tarifa social unificada, permitiria a melhoria dos serviços, a redução dos “gatos” e da inadimplência, além de dificultar a presença do crime nestes negócios. A prefeitura poderia se integrar ao consórcio, tirando da informalidade o mercado imobiliário das favelas e da baixa renda, disciplinando o uso e ocupação do solo de maneira compatível com os territórios ocupados de forma desordenada.

De acordo com o censo de 2022 do IBGE, o Brasil possui 12.348 favelas ou comunidades urbanas, correspondendo a 8,1% da população. Evidentemente, nem todas são ocupadas territorialmente pelo crime organizado como nos complexos cariocas do Alemão e da Penha. Criar consórcios de serviços urbanos com uma tarifa social unificada pode ser uma inovação institucional que permita recolocar o urbanismo social, os projetos integrados de desenvolvimento territorial em áreas de vulnerabilidade, no mapa das políticas públicas prioritárias. Combater as desigualdades territoriais e a pobreza urbana também é fundamental para o combate à criminalidade e à violência.

O Projeto Terra desenvolvido em Vitória entre 1997 e 2004 partiu do mapeamento das ocupações desordenadas delimitadas em 15 poligonais. Foi considerado um projeto de urbanismo social exemplar, inclusive sendo premiado pela ONU-Habitat com o diploma de Excellence Award em 2002. Uma retomada do Projeto Terra a partir da introdução da Tarifa Social Integrada poderia ser um piloto para o Brasil nesta nova etapa da luta contra as desigualdades e contra o crime.

O Brasil tem conserto. O Espírito Santo é um bom exemplo.

*Luiz Paulo Vellozo Lucas é engenheiro de produção e professor universitário. Mestrado em desenvolvimento sustentável. Foi prefeito de Vitória-ES e deputado federal pelo PSDB-ES. Membro da ABQ-Academia Brasileira da Qualidade.   

 

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Diretor de conteúdo – Eduardo Caliman

Jornalista formado pela Ufes (1995), com Master em Jornalismo para Editores pelo CEU/Universidade de Navarra – Espanha. Iniciou a carreira em A Tribuna e depois atuou por 21 anos em A Gazeta, como repórter, editor de Política, coordenador de Reportagens Especiais e editor-executivo. Foi também presidente do Diário Oficial, subsecretário de Comunicação do ES e, de 2018 a 2024, coordenador de comunicação institucional no sistema OAB-ES/CAAES.

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