Marília Silva: a mulher no comando da inteligência econômica do ES

Em entrevista especial ao News ES, a economista-chefe da Findes compartilha sua história de conquistas, fala sobre qualificação, desafios e representatividade

Aos 39 anos, a sul-mato-grossense Marília Gabriela Elias da Silva comanda uma das áreas mais estratégicas do sistema indústria capixaba. Economista formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, com mestrado pela UFRGS e doutorado e pós-doutorado pela FGV (São Paulo), ela está à frente do Observatório da Indústria da Findes, unidade de inteligência que monitora dados econômicos, mapeia cadeias produtivas e orienta a tomada de decisão em políticas públicas e investimentos no Espírito Santo.

Com mais de 15 anos de experiência em análise econômica, passando por instituições como a Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), Marília atua desde 2017 na Federação das Indústrias capixaba, onde lidera hoje uma equipe focada em estudar os grandes movimentos que moldam o presente e o futuro do desenvolvimento regional.

Na entrevista, Marília fala sobre sua relação com a economia, o que a motivou a buscar alta qualificação, os desafios de ocupar um cargo de liderança como mulher negra e como mantém equilíbrio fora do trabalho. Ela compartilha, com franqueza e sensibilidade, como sua trajetória foi construída com esforço, apoio e visão — e como representa, hoje, não apenas um cargo, mas um convite para que outras mulheres ocupem esses espaços com confiança e propósito.

A conversa do News ES com Marília foi dividida em duas partes. A primeira, com um conteúdo mais pessoal, está logo abaixo.

Uma segunda parte, em que a economista faz uma leitura detalhada das potencialidades e desafios econômicos do Espírito Santo em meio à Reforma Tributária, à transição energética e à revolução tecnológica, será publicada ainda nesta segunda-feira (15).

NEWS ES – Como surgiu o seu interesse pela economia?

MARÍLIA SILVA – “Olha, na adolescência, eu não tinha muita convicção do que fazer, mas sempre fui uma pessoa mais da área de exatas, gostava de matemática, mas as opções que eu tinha de engenharia não me encantavam muito. Também não queria fazer matemática, e acabou que o que se encaixou foi a economia. E assim que eu entrei na faculdade de economia, eu realmente gostei do que eu vi ali, e muito por que ela me surpreende em não ser matemática; a economia é uma ciência humana aplicada. E acho que é isso que me encanta muito até hoje — que é você poder olhar pro mundo, olhar pras coisas com um pensamento muito crítico. E não crítico no sentido de criticar, sabe? Crítico de tentar compreender, de tentar encontrar uma solução, de olhar pro agregado, né, de entender as coisas como médias mesmo, no sentido de: olha, se eu vou fazer uma ação, ou se eu vou ter uma empresa, ou se eu sou o governo, ou inclusive se eu sou eu mesma ali, um cidadão… o que que a minha ação causa em outras pessoas, que tipos de externalidade isso tem, pra onde isso me leva…

Então, a economia me conquistou pela complexidade dela. Eu entrei, acho que buscando o meu — vamos dizer assim — a minha zona de conforto, que era a parte mais exata, e encontrei ali uma complexidade que me encanta desde os primeiros semestres.”

Você é economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado. Quais foram os maiores desafios na sua trajetória até aqui?

“Eu não tenho como responder isso, infelizmente, sem lembrar que eu sou uma mulher negra. Tenho os desafios que são estruturais, e desafios que vão ser individuais da minha existência, de quem eu sou.

Eu nasci no Mato Grosso do Sul, fiz faculdade lá, e muito rapidamente entendi que, para estar aqui ou em algum lugar que talvez eu sonhasse àquela época, eu precisaria, entre aspas, entrar no jogo. E uma forma de entrar no jogo seria buscar sempre uma qualificação muito elevada, em boas instituições.

Então eu começo essa trajetória buscando entender mais de economia. Vou fazer um mestrado, depois faço um doutorado, faço um pós-doc, muito nessa ânsia de: ‘poxa, eu quero entrar no jogo, eu quero ser uma opção, eu quero um dia poder — embora eu não soubesse — um dia ter oportunidade de ser uma economista-chefe de alguma instituição, alguma coisa assim’.

Obviamente todo mundo precisa muito se qualificar, mas eu precisava me qualificar a um ponto que: ‘olha, beleza, você pode jogar esse jogo’. E aí, ao longo dessa trajetória, eu acho que uma outra coisa que eu gosto de trazer muito são as oportunidades.

Da minha parte foi esse empenho, essa busca pela maior qualificação, por estudar mais, por aprender mais. Do outro lado, onde eu não tenho tanto controle, foram as muitas pessoas, desde a minha família, que me abriram muitas oportunidades.

Então eu tive a oportunidade de estudar enquanto criança, e só estudar e praticar esportes, que era o que eu gostava de fazer. Depois entrei pra faculdade, continuei estudando, tive bons professores que enxergaram em mim um potencial, que me abriram portas.

Depois entrei no mercado de trabalho, tive outras oportunidades. Então, assim, foram muitas pessoas que me abriram esse espaço. Mas, em algum momento, eu cheguei nessa posição que hoje a gente tá aqui.”

E aí quais foram os maiores desafios?

“Sendo mais clara: acho que, do ponto de vista individual, é a gestão mesmo de pessoas. É algo que eu gosto muito, que eu tenho muito prazer, mas que é um grande desafio. É muita responsabilidade. É você estar direcionando uma área do ponto de vista estratégico, mas ao mesmo tempo tentando colocar em prática o que você acredita como ser humano — como liberdade, colaboração, desenvolvimento individual… Então eu acho que isso, pra mim, é até hoje um desafio. É onde eu tento, de fato, ali, entregar o melhor pra todos aqueles que estão comigo.”

E do ponto de vista estrutural, realmente não tem como negar que é um desafio mesmo. Vocé ser mulher e você ser uma mulher negra. Isso traz uma certa responsabilidade.

Eu gosto de estar neste espaço e, de alguma forma, representar o que eu represento sentando nessa cadeira. De servir, vamos dizer assim, como referência no sentido de ser uma mulher – e uma mulher negra – nesta posição. Então isso é algo que eu acho que é importante pra que outras queiram vir também. É claro que elas vão precisar de oportunidade pra isso.

Mas, ao mesmo tempo, é um grande desafio. E eu considero que um dos maiores desafios de se estar nessa posição – sendo mulher já é grande, e sendo mulher negra – é um pouco do que a gente chama de solidão do topo.

Então, assim, você chega, mas meio que sozinha nesse contexto, e há a pressão — não a pressão que outras pessoas exercem sobre mim, mas a que eu mesma me exerço, e acredito que pessoas que estejam na minha situação se exercem — de que o erro não faz parte. Você precisa a todo momento estar no seu melhor, entregar o melhor, surpreender.

Então isso me acompanha como um desafio até hoje, e acredito que vai me acompanhar o restante da vida. Não que eu queira errar, mas é a questão da oportunidade, né? A sensação que dá é que nenhuma oportunidade pode ser perdida, porque não haverá outra se eu perder essa. E eu acho que isso é um grande desafio.”

Fora da Federação, quais são os hobbies da Marília Silva? As atividades que ajudam a manter esse equilíbrio?

“Outro dia eu descobri que hobby eu não preciso estar praticando (risos), mas assim… Eu fui atleta da natação e eu realmente gosto muito de nadar. Poucas coisas me fazem tão bem como nadar. Fiquei muitos anos sem nadar e… eu este ano voltei a nadar. Um friozinho aí me tirou da natação de novo… vamos ver se eu retorno.

Mas, sem sombra de dúvidas, como atividade, essa é a grande atividade, assim, que me encanta. E aí o restante vão ser mais coisas cotidianas. Eu tenho, nos últimos anos, migrado muito da televisão, dos filmes, pra livros. Assim, mas de alguma forma um pouco mais intencional mesmo. E também, quem me conhece sabe que eu gosto muito de uma boa mesa de bar, boas companhias, uma boa música ao fundo… Então essa é um pouco da Marília.”

Como foi a sua vinda para o Espírito Santo?

“Então.. Eu saí de Campo Grande, no final da faculdade, e fui fazer mestrado em Porto Alegre. Depois fui fazer doutorado em São Paulo, onde cheguei em 2010, mais ou menos. Trabalhei um pouco como professora, e aí trabalhei na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Aí enfim, parei, terminei a tese, terminei o doutorado, voltei pra Federação das Indústrias de São Paulo. A vinda para o Espírito Santo foi uma coincidência. Antes de eu fazer essa volta pra Fiesp, eu estava procurando me colocar — já tinha terminado o doutorado, o pós-doutorado — e fiz muitas entrevistas e tal.

E numa dessas entrevistas, inclusive, que eu não passei, a diretora desse lugar conhecia o então gestor aqui (na Findes) — o Marcelo Saintive, que hoje é o presidente do Bandes — e ele, a quem agradeço pela grande oportunidade, nessa busca por alguém, acabou ouvindo a indicação da diretora. Eu fiz a entrevista, passei na entrevista, e cá estou desde então.”

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Diretor de conteúdo – Eduardo Caliman

Jornalista formado pela Ufes (1995), com Master em Jornalismo para Editores pelo CEU/Universidade de Navarra – Espanha. Iniciou a carreira em A Tribuna e depois atuou por 21 anos em A Gazeta, como repórter, editor de Política, coordenador de Reportagens Especiais e editor-executivo. Foi também presidente do Diário Oficial, subsecretário de Comunicação do ES e, de 2018 a 2024, coordenador de comunicação institucional no sistema OAB-ES/CAAES.

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