Segundo Saliba (2011), a segurança do trabalho é definida como a ciência dedicada à prevenção de acidentes decorrentes de fatores de risco ocupacionais. Ainda de acordo com a OIT, aproximadamente 2 milhões de pessoas perdem a vida anualmente em decorrência de causas relacionadas ao trabalho (OIT, 2021). O AEPS indica que, na década de 1970, o Brasil chegou a registrar cerca de 1.500.000 acidentes de trabalho por ano. Entretanto, graças à modernização das normas e ao desenvolvimento de equipamentos de proteção mais eficazes, a média anual de acidentes entre 2010 e 2019 caiu para cerca de 650.000 (AEPS, 2019). A Sociedade Espanhola de Saúde e Segurança no Trabalho identificou que o fator humano está presente em 80% dos acidentes ocupacionais, sendo que certas características cognitivas ou de personalidade podem predispor o trabalhador a determinados comportamentos, aumentando ou diminuindo o risco de sofrer um acidente (SESST, 2018). Nesse contexto, a tecnologia desponta como uma aliada poderosa na prevenção de acidentes de trabalho.
Um novo modelo de manufatura desponta no cenário contemporâneo, marcado pela incorporação de inúmeras tecnologias, sejam elas físicas ou digitais, como computação em nuvem, robôs colaborativos, realidade aumentada, internet das coisas e inteligência artificial (IA). O termo Indústria 4.0 é utilizado para designar essa fábrica inovadora, que combina maior mecanização e automação com a digitalização e sistemas de tecnologia da informação capazes de se comunicar entre si (Ustundag, 2018).
A Indústria 4.0, também conhecida como 4ª Revolução Industrial, carrega a expectativa de exercer um impacto ainda mais profundo que os movimentos industriais anteriores. Nesse contexto, a IA se destaca como uma solução promissora, com potencial para se tornar uma das inovações mais onipresentes da história da humanidade (Clifford, 2018). Existem várias definições de IA, que pode ser entendida como um ramo da ciência da computação voltado a simular a capacidade humana de pensar, tomar decisões e resolver problemas, conferindo a softwares e robôs a habilidade de automatizar uma série de processos (Teixeira et al., 2019).
Diante das múltiplas possibilidades oferecidas pela IA para a otimização de processos, a prevenção de acidentes no ambiente ocupacional revela-se um campo fértil de aplicação. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), quase 2 milhões de pessoas morrem todos os anos, em todo o mundo, por causas relacionadas ao trabalho (OIT, 2021). No Brasil, segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS), em 2019 foram registrados 582.507 acidentes de trabalho, dos quais 2.540 resultaram em óbitos e 15.923 em incapacidade permanente (AEPS, 2019). Nesse cenário, a automação industrial, aliada às diversas aplicações da IA voltadas à redução de falhas humanas, vem sendo amplamente debatida no meio científico (Junior et al., 2019).
Na área da segurança do trabalho, já existem projetos relevantes, especialmente na indústria da construção civil, setor que ainda apresenta índices elevados de acidentes (Gnoni et al., 2020). A IA possibilita, por exemplo, o reconhecimento de comportamentos inseguros (Park et al., 2020) e a identificação do uso de equipamentos de proteção individual em locais onde seu uso é obrigatório (Balakreshnan, 2020).
A chegada da IA aos ambientes laborais é considerada uma das inovações mais promissoras para a gestão da segurança nos locais de trabalho (Moore, 2020). John McCarthy definiu a Inteligência Artificial como um ramo da ciência da computação que visa criar sistemas capazes de simular a habilidade humana de raciocinar, perceber, tomar decisões e solucionar problemas (McCarthy, 1963).
É essencial explorar ao máximo a capacidade atual das máquinas, aplicando técnicas de IA que possibilitem às empresas identificar, de forma antecipada e eficiente, os perigos presentes nos processos produtivos, bem como avaliar os riscos a que os trabalhadores estão expostos(Villalobos, 2019).
Algumas soluções de IA já são utilizadas nos ambientes de trabalho para preservar a segurança dos colaboradores. Entre elas, destaca-se o uso de métodos baseados em deep learning para detectar, em tempo real, o uso de capacetes de segurança em canteiros de obras e o desenvolvimento de soluções com machine learning para ampliar a visibilidade de operadores de guindastes em ambientes industriais complexos (Golcarenarenji et al., 2022).
O potencial transformador da IA nos locais de trabalho decorre de duas características principais, que não encontram equivalentes em outras tecnologias digitais: 1) a capacidade dos sistemas de IA de processar automaticamente diferentes tipos de dados, muitas vezes em grande volume, gerando resultados e recomendações de forma rápida e em escala; 2) a habilidade da IA, graças à sua natureza de aprendizado, de apoiar a tomada de decisões por meio de tarefas como reconhecimento, detecção de eventos, previsão, personalização, suporte à interação, otimização orientada a objetivos e raciocínio baseado em estruturas de conhecimento (OCDE, 2022).
Os termos Inteligência Artificial, Machine Learning e Deep Learning são frequentemente utilizados como sinônimos para descrever os mesmos princípios no desenvolvimento de software. Entretanto, todos indicam o mesmo propósito: uma máquina programada para aprender e encontrar a solução mais eficaz para um problema. Com um planejamento cuidadoso e a capacitação adequada da equipe, a Inteligência Artificial poderá efetivamente transformar a Segurança do Trabalho, garantindo um futuro mais seguro e produtivo para todos os colaboradores.
Assim sendo, a aplicação estratégica de soluções de IA, associada a sistemas de automação e monitoramento inteligente, revela-se como uma ferramenta essencial para mitigar riscos ocupacionais, reduzir a incidência de acidentes de trabalho e garantir ambientes laborais mais seguros e alinhados às normas regulamentadoras vigentes. Assim, é imprescindível que o ordenamento jurídico e as políticas públicas acompanhem tais avanços tecnológicos, de modo a regulamentar seu uso, promover sua difusão e assegurar que a evolução digital contribua efetivamente para a proteção da saúde e da integridade física dos trabalhadores, em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho.
João Batista Dallapiccola Sampaio é advogado militante há 39 anos
Catherine Reis Zardo é advogada
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