Com apoio da Coppo Consultoria e Projetos, o professor Rodrigo Bezerra, de Linhares (ES), deixou tudo para trás e embarcou em uma jornada transformadora pelos territórios impactados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). A tragédia, que completa 10 anos em novembro de 2025, deixou um rastro de destruição, mas também revelou histórias emocionantes de resistência. A primeira fase da expedição, realizada ao lado do designer Patrick Amâncio, passou por oito municípios mineiros. A segunda etapa terá início em 22 de setembro, saindo de Governador Valadares até a foz do Rio Doce, em Regência, Linhares.
Além da produção do livro O Vagão de Bento, o projeto pode ser acompanhado pelo Instagram (@beze_trips) e pelo canal no YouTube (Bezê). “A partir dessa experiência quero contar para o mundo uma história bem positiva, de pessoas inspiradoras, resgatar memórias de sucesso, fé, reinvenção. Estou acreditando numa retomada de vida maravilhosa dos moradores impactados. Ainda é um sonho, mas confio na força regenerativa dessa gente”, afirmou Rodrigo.
Bento Rodrigues: o início da lama e o grito que salvou vidas
O ponto de partida da expedição foi Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana e epicentro da tragédia. O local segue praticamente abandonado, mas abriga memórias heroicas, como a de Paula Alves, que no dia 5 de novembro de 2015 correu pelas ruas alertando os moradores para que fugissem da lama.
“Essa história mudou drasticamente minha impressão desse território. Depois, estando frente a frente com a Paula, me emocionei com seu depoimento, sua forma singela de viver e ressignificar sua trajetória pós-trauma”, narra Rodrigo. Ele também relatou gestos de solidariedade após o desastre, como a partilha de alimentos e abrigos entre vizinhos.
Rodrigo se surpreendeu com a nova Bento Rodrigues, reconstruída com padrão elevado, ruas largas, áreas comuns bem cuidadas e infraestrutura de qualidade. “Fez-nos repensar os padrões que tínhamos sobre as indenizações realizadas por ali.”
Mariana: patrimônio, quilombos e marcas sutis da tragédia
Primeira vila de Minas Gerais, Mariana revelou ao grupo histórias de ancestralidade e resistência, como a das minas de Gogô, comunidade quilombola formada por ex-escravizados, contada por Salvador Alves de Freitas.
Rodrigo registrou que o Rio Gualaxo, um dos cursos afetados pela lama, exibe sinais de recuperação. “Suas margens foram significativamente restauradas. Salvo alguns pontos, já não se vê resquícios evidentes da tragédia.”
Sobre o povo marianense, observou: “Em muitas conversas constatei um ar de página virada. Alguns chegavam a dizer que foram abençoados pelo acontecimento, dada a forma como foram indenizados.”
Barra Longa: lendas, poesia e o humor mineiro
Conhecida por sua hospitalidade, Barra Longa trouxe à tona a história do lendário caboclo d’água, contada com entusiasmo por Daniel Kafuri. “Ele relatou ter sido atacado por um ser com aparência de homem e garras afiadas. Mostrou até cicatrizes do encontro”, descreve Rodrigo.
Em uma roda de senhoras à frente de uma casa de oração, Rodrigo ouviu relatos sobre a retomada da vida e o impacto positivo das compensações financeiras. “A energia era de contentamento e bastante humor. Foi uma noite muito feliz.”
Antes de partir, conheceram o poeta Papagaio, que compartilhou suas composições à beira do rio e comentou sobre os quase R$ 1 bilhão previstos para indenização dos garimpeiros.
Rio Doce: organização e memórias preservadas
Em Rio Doce, o grupo se encantou com a limpeza e o cuidado com o espaço público. Rodrigo elogiou a conservação das fachadas históricas e o funcionamento exemplar do museu da estação.
Ele também relatou encontros marcantes, como com Dona Rocelis, proprietária de uma casa de cereais, e o tropeiro Antônio Cenachi, com quem tocaram gaita de boca. “Foi um momento mágico”, disse Rodrigo.
Santa Cruz do Escalvado: festa, fé e natureza
Coincidentemente, Rodrigo e Patrick chegaram a Santa Cruz no fim de semana da festa da cidade. “Tivemos contato com histórias vitoriosas e um povo que transbordava satisfação”, contou.
Dona Cidinéia os recebeu na igreja matriz, enquanto João Bosco, com o projeto Plantar e Cuidar, emocionou com seu trabalho de preservação das margens do rio. “O amor reluzia do seu olhar! Um homem que nos inspirou profundamente.”
Santana do Deserto: fé e leveza
A visita a Santana do Deserto, distrito de Santa Cruz, coincidiu com a festa de Nossa Senhora do Rosário. “A energia era fora do comum. Vibramos junto daquela gente. Saímos com o coração em alegria”, descreveu Rodrigo, que aproveitou o festival de comidas típicas e a devoção local.
Ipatinga: cultura, natureza e transformação
Ipatinga foi um dos pontos altos da expedição. Rodrigo ficou impressionado com a infraestrutura urbana, limpeza e áreas de lazer. Conheceram Reinaldo da Silva, de mais de 80 anos, que os recebeu para um almoço inesquecível. “Seu filho pegou o violão, tirei minha gaita e ali duelamos notas. Foi indescritível.”
No Parque Ipanema, os viajantes encontraram um ambiente harmônico, familiar e acolhedor. “Nada fora do lugar. Um clima leve, com piqueniques, música, crianças soltando pipas.”
Lá, conheceram Dona Márcia, que transformou sua realidade após a tragédia. “De proletária a empreendedora de doces, ao lado da irmã Carla. Uma história de superação que nos tocou profundamente”, relatou Rodrigo.
Regeneração como oportunidade
A expedição O Vagão de Bento mostra que, apesar da dor, é possível ressignificar os territórios e as vidas marcadas pelo desastre. As experiências reunidas por Rodrigo Bezerra revelam um Brasil profundo, resiliente e repleto de histórias que merecem ser contadas.
“Com todos os relatos e experiências, percebemos a importância da regeneração de todo o território, que surge como uma oportunidade não apenas de promover o desenvolvimento econômico das comunidades atingidas, mas também de ressignificar os territórios marcados pela dor, transformando-os em espaços de aprendizado, memória e reconstrução coletiva”, conclui o professor.
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