Samir Nemer – “Dia dos Pais e o peso invisível da tributação”

Presentear os pais é um gesto de carinho, gratidão e afeto. No entanto, essa demonstração de amor vem acompanhada de um custo que vai muito além do valor sentimental: até 77% do preço de alguns presentes vai direto para os cofres públicos em forma de tributos. Isso significa que, no Brasil, presentear no Dia dos Pais é, muitas vezes, pagar mais que o dobro do valor real de um produto, sem qualquer exagero retórico.

Ao analisar os dados divulgados pelo site Impostômetro, observei que itens como perfume importado, tênis, vinho, iPad e celular figuram entre os mais tributados, todos com mais de 60% de carga tributária. O campeão? O perfume importado, com 77,43% do seu valor composto por impostos. Em termos práticos, significa que, ao pagar R$ 100 por esse item, R$ 77 são destinados ao pagamento de tributos, um verdadeiro presente para o Estado, não para o pai.

Outros produtos como tênis (65,71%), vinho importado (64,57%) e iPad (63,18%) também figuram entre os primeiros do ranking de tributos. A média da carga tributária sobre os presentes mais populares fica em torno de 48%, o que evidencia como o sistema tributário brasileiro penaliza o consumo, em especial o das famílias de menor renda.

É aí que entra um ponto crucial: o Brasil tributa muito mais o consumo do que a renda. Isso significa que quem ganha menos compromete proporcionalmente mais da sua renda com tributos do que quem ganha mais. Um trabalhador assalariado que compra uma calça jeans, por exemplo, arca com cerca de 35% de tributo embutido no valor, o que pesa muito mais no seu orçamento do que no de alguém que recebe um salário dez vezes maior e compra a mesma peça.

Chamamos isso de regressividade: o sistema é injusto porque quem tem menos paga mais, proporcionalmente. Em países com sistemas mais maduros e equilibrados, a lógica é inversa: tributa-se mais a renda (quem ganha mais contribui mais) e menos o consumo, permitindo maior acesso da população a bens essenciais e de qualidade.

No caso dos presentes do Dia dos Pais, o que mais pesa no bolso dos consumidores são tributos como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é estadual, Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), todos federais. E, quando o presente é importado, ainda há a incidência do Imposto de Importação, elevando ainda mais o custo final.

Esses são os chamados tributos indiretos, também conhecidos como “tributos invisíveis”. Diferentemente de impostos como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) ou o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), em que o valor pago está claramente especificado, esses tributos estão embutidos no preço e raramente são percebidos pelo consumidor.

Mesmo quando há menção aos impostos no cupom fiscal, trata-se de uma estimativa. Ou seja, a população não tem clareza real sobre quanto paga de imposto em cada compra. E isso é grave, porque dificulta o exercício da cidadania fiscal. Se não sabemos o que pagamos, como podemos cobrar melhores serviços públicos em troca?

A expectativa de vendas para o Dia dos Pais continua alta. Só no Espírito Santo, a previsão é de que R$ 156,8 milhões circulem no comércio local, segundo o Connect Fecomércio-ES. Nacionalmente, estima-se um volume de R$ 7,84 bilhões, o maior desde 2012, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Mas, mesmo diante desse potencial, a tributação sobre o consumo segue como uma barreira real ao poder de compra das famílias brasileiras.

A reforma tributária, que está em fase de regulamentação, promete simplificar esse sistema e trazer mais transparência. A ideia é que os tributos apareçam de forma mais clara nas notas fiscais, o que pode incentivar um consumo mais consciente e uma cobrança mais efetiva por parte dos cidadãos. É um começo, necessário, mas ainda tímido, diante da urgência por um sistema mais justo, que onere menos o consumo e combata desigualdades.

Enquanto essa mudança não se concretiza de forma efetiva, cabe a nós, contribuintes, exercermos o nosso papel: compreender, questionar e exigir um modelo tributário mais racional e coerente com os princípios da justiça fiscal. Além de pensar sobre qual presente comprar para o seu pai, é hora de refletir quanto do que se paga por ele vai para o bolso do Estado e se estamos realmente tendo o retorno que deveríamos. Afinal, todo presente tem seu preço. Mas não deveria custar tanto em imposto.

Samir Nemer é advogado tributarista, mestre em Direito Tributário e sócio do escritório FurtadoNemer Advogados.

*A opinião dos articulistas é de total responsabilidade dos autores e não reflete necessariamente a posição do portal News Espírito Santo

sobre nós

Diretor de conteúdo – Eduardo Caliman

Jornalista formado pela Ufes (1995), com Master em Jornalismo para Editores pelo CEU/Universidade de Navarra – Espanha. Iniciou a carreira em A Tribuna e depois atuou por 21 anos em A Gazeta, como repórter, editor de Política, coordenador de Reportagens Especiais e editor-executivo. Foi também presidente do Diário Oficial, subsecretário de Comunicação do ES e, de 2018 a 2024, coordenador de comunicação institucional no sistema OAB-ES/CAAES.

compromisso e propósito

O NewsEspíritoSanto nasceu com compromisso de levar informação precisa, relevante e independente para os capixabas. Nosso propósito é ser uma fonte confiável para quem busca entender os acontecimentos do Estado, valorizando a transparência, a ética e a pluralidade.

contato

E-mail:

contato@newsespiritosanto.com.br

WhatsApp:

27 999204119

Participe do conteúdo do News ES: encaminhe a sua sugestão de pauta para o nosso e-mail.