O Brasil possui uma extensa faixa litorânea e milhões de pessoas ligadas a atividades como pesca, turismo e esportes aquáticos. Esse contato, embora fonte de lazer e sustento, também expõe a população a microrganismos pouco conhecidos, capazes de causar infecções graves e de difícil diagnóstico: as chamadas infecções marinhas.
Para entender como isso acontece, é importante lembrar que a pele é o maior órgão do corpo humano, sendo também a principal porta de entrada para esses agentes. Pequenos cortes, arranhões ou picadas funcionam como via de acesso para bactérias presentes na água salgada. O simples ato de manipular peixes, redes ou aquários pode gerar traumas nas mãos, transformando-se em porta de acesso para infecções. O quadro pode começar como uma ferida simples, mas evoluir para necrose, abscessos ou até sepse.
Estudos mostram que antibióticos usados rotineiramente em infecções de pele podem ser ineficazes contra muitos patógenos marinhos. Isso reforça a importância de uma entrevista clínica cuidadosa, em que se investigue o histórico de exposição ao mar, para que o tratamento correto seja instituído precocemente.
Entre os microrganismos mais comuns estão o Mycobacterium marinum, o Vibrio vulnificus e espécies de Aeromonas. É importante destacar que os membros superiores costumam ser os mais atingidos, já que estão diretamente envolvidos na manipulação de redes, peixes e aquários. No entanto, o diagnóstico, muitas vezes, é tardio pela falta de familiaridade dos profissionais com esse tipo de infecção, o que faz com que muitos casos permaneçam apenas como suspeita clínica, sem confirmação laboratorial.
As manifestações podem variar desde lesões superficiais leves até quadros graves, que comprometem articulações, tendões e ossos, exigindo tratamentos prolongados. Em situações mais severas, podem surgir necrose extensa e sepse, com risco de morte.
Alguns grupos de risco merecem atenção especial: pessoas com ferimentos expostos, diabéticos, imunossuprimidos, portadores de doenças hepáticas ou renais, alcoólatras e pacientes com câncer ou AIDS. Nesses casos, a chance de evolução para formas graves da infecção é significativamente maior.
Em síntese, para a população em geral, a mensagem é clara: toda ferida em contato com a água do mar deve ser observada com cuidado. Se não houver melhora, procure assistência médica e informe sobre a exposição ao ambiente marinho. Para os profissionais de saúde, é fundamental incluir as infecções marinhas no diagnóstico diferencial de feridas persistentes, sobretudo em membros superiores, questionar sobre a exposição ao ambiente marinho e reconhecer a necessidade de antibióticos adequados.
Por fim, é importante alertar trabalhadores, empresas e autoridades sobre essa patologia, incentivando o uso de equipamentos de proteção individual para quem lida diretamente com o ambiente marinho. Prevenção, diagnóstico precoce e tratamento correto são os pilares para reduzir a morbimortalidade dessas infecções.
*Taynah Repsold é médica mestre e doutoranda em Doenças Infecciosas – Ufes